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CÍRCULO 4F.
PISTAS ESCLARECEDORAS SOBRE A ORIGEM DOS CONFLITOS CONTEMPORÂNEOS.
Como e porquê foi fabricada a guerra?
Atílio Borón 05.Abr.22 Outros autores
Uma razão porque o coro mediático orquestrado pelos EUA não quer que sejam discutidos quaisquer antecedentes históricos da actual situação na Ucrânia é que (apesar de em muitos lados andarem a retirar muita informação do acesso público) não faltam documentos que mostram como esta situação foi longamente premeditada e é parte integrante da criminosa agenda EUA-NATO-UE.
Antes de ser eleito Presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower foi o primeiro Comandante da NATO. Em Fevereiro de 1951, poucos meses depois de assumir o cargo, escreveu textualmente o seguinte: “Se em 10 anos todas as tropas americanas estacionadas na Europa com o objectivo de garantir a defesa nacional não tiverem regressado aos Estados Unidos, então este projecto, a NATO, terá fracassado.”
Não só as tropas não regressaram como a sua presença na Europa não deixou de aumentar.
Não só isso, mas uma vez desintegrada a União Soviética e contrariando as solenes e ocas promessas dos principais líderes dos governos ocidentais (Clinton, Bush, Obama, Helmut Kohl na Alemanha, Tony Blair no Reino Unido, etc.) no sentido de que “a NATO não se moveria uma polegada em direcção a leste”, transferiram meios e tropas até às próprias fronteiras da Rússia.
Como!? Então o inimigo não era a União Soviética e o comunismo? Não.
O inimigo era, e é, a Rússia, um país demasiado extenso e poderoso cuja simples presença, seja sob um regime comunista ou capitalista, é um obstáculo aos planos de dominação mundial dos EUA (Chomski dixit).
Quando em 1997 Bill Clinton deu início ao alargamento da NATO, a neta de Eisenhower, Susan, reuniu as assinaturas de 49 reconhecidos especialistas (militares, diplomáticos e académicos) e publicou em 26 de Junho uma carta aberta dizendo que “o plano de expansão da NATO é um erro político de proporções históricas”.
Susan tomou especialmente em conta a opinião que pouco antes - em 5 de Fevereiro, num artigo publicado no New York Times - havia sido expressa por ninguém menos que George Kennan, o diplomata que, com seu famoso “Long Telegram” de 22 de Fevereiro de 1946 enviado ao presidente Harry Truman (e assinado sob o pseudónimo de Mister X) fora o arquitecto da política de “contenção” do expansionismo soviético que pouco depois levaria à criação da NATO.
Profundamente perturbado pelas intenções de Clinton, Kennan escreveu nesse artigo que “a expansão da NATO seria o erro mais trágico da política dos EUA em toda a era pós-Guerra Fria… porque impulsionaria a política externa da Rússia numa direcção que decididamente não seria a que desejamos”. (https://www.nytimes.com/.../05/opinion/a-fateful-error.html)
Clinton, e com ele todo o complexo industrial-militar-financeiro, ignorou as advertências do veterano diplomata e continuou com a sua política.
Estimular guerras e a despesa militar era o que se supunha Washington dever fazer, já que os seus políticos no governo e no Congresso financiam as suas carreiras políticas com contribuições das grandes empresas daquele sector.
Ainda a URSS não havia acabado de se desmantelar quando o vice-secretário de Defesa de George W. Bush pai, Paul Wolfowitz, produziu um “Guia para o Planeamento da Defesa”, que filtrou para a imprensa em 7 de Março de 1992, afirmando na sua primeira secção que “O nosso primeiro objectivo é evitar o ressurgimento de um novo rival, seja no território da antiga União Soviética ou em qualquer outro lugar, que represente uma ameaça, o que exige que nos esforcemos para impedir que qualquer potência hostil domine uma região cujos recursos, sob um controlo consolidado, seriam suficientes para gerar um poder global”.
O escândalo foi enorme e o unilateralismo extremo do seu conteúdo levou a que fosse descrito, mesmo em alguns meios de comunicação do establishment, como imperialista.
Também causou preocupação que o seu autor tivesse colocado, sem maiores hesitações, a importância de “intervenções militares preventivas” para neutralizar possíveis ameaças de outras nações e evitar que regimes autocráticos se convertessem em superpotências.
É óbvio que o destinatário do documento é claramente a Rússia pós-soviética.
Depois de o documento ter filtrado para a imprensa, o Pentágono publicou a versão adocicada, na realidade uma mera tentativa de “redução de danos” cobrindo, sem sucesso, as suas expressões mais brutais com linguagem mais diplomática, mas sem abandonar minimamente as teses centrais do “Guia”. (”U.S. Strategy Plan Calls For Assuring No Rivals Develop.” The New York Times. , 08/03/1992)
A reconstrução do poderio económico e militar da Rússia encorajou o surgimento de novas reflexões e “policy papers” recomendando vários cursos de acção à Casa Branca.
Os avanços militares daquele país ficaram evidentes no seu decisivo papel na derrota da insurgência jihadista na Síria, um pântano criado pela decisão de Washington de querer derrubar Bashar al-Assad com a ajuda do Estado Islâmico e seus decapitadores em série.
O mesmo, quando depois do golpe de 2014 na Ucrânia, Vladimir Putin reintegra numa fulminante operação a Crimeia na jurisdição russa.
Mas em 2019 aparece um documento fundamental publicado por nada menos que a Rand Corporation, cujo título diz tudo: “Sobre como colocar sob tensão e desequilibrar a Rússia”.
Segundo os seus autores, nas suas páginas “enumeram-se opções não violentas e onerosas que os Estados Unidos e seus aliados poderiam promover nas áreas económica, política e militar para colocar a Rússia sob stress – sobre-tensionando e desequilibrando – a sua economia, as suas forças armadas e a estabilidade do seu regime político.
O documento examina prolixamente as diversas áreas para cada uma das quais apresenta várias opções.
Por exemplo, na economia, impor sanções e barreiras comerciais, acabar com dependência europeia do gás russo, favorecer as exportações de gás norte-americanas para a Europa, e incentivar a emigração de cientistas e pessoas com elevada formação técnica para privar a Rússia deste tipo de recursos humanos.
Para cada uma destas opções, estimava-se a probabilidade de sucesso da medida, os seus benefícios, e também os seus custos e riscos, e a partir daí era formulada uma recomendação.
No campo militar contemplava-se, em primeiro lugar, fornecer ajuda letal à Ucrânia, aumentar o apoio aos rebeldes sírios, promover a liberalização na Bielorrússia, ampliar os laços entre os Estados Unidos e os países do Sul do Cáucaso e reduzir a influência russa na Ásia Central.
Novamente, cada uma dessas alternativas é ponderada em termos de probabilidade de sucesso, seus benefícios e seus custos.
O relatório pode ser consultado em: htp://(https://www.rand.org/.../RB10000/RB10014/RAND_RB10014.pdf )
Conclusão: tal como dissemos antes de conhecer este documento e como o ratificamos com ainda mais força, o que se passa na Ucrânia é uma guerra imoralmente provocada pelos Estados Unidos e seus aliados europeus.
Sem ter em conta os terríveis custos humanos da guerra, que as potências ocidentais agora choram com lágrimas de crocodilo, fecharam todas as opções à Rússia, que inclusivamente chegou em certa altura até mesmo a propor iniciar negociações para ingressar na NATO, atitude que não suscitou nas muito democráticas e humanistas potências ocidentais a menor intenção de sequer começar a falar sobre o tema.
Nenhuma das justas reclamações russas em termos de segurança foi ouvida, como se pudesse ser construída uma ordem mundial estável e segura para todos, excepto para uma superpotência como a Rússia, acossada desde o Báltico até ao Mar Negro.
Os perversos planos de Wolfowitz e Rand são de uma eloquência irrefutável.
São o roteiro que os Estados Unidos traçaram para, com a cumplicidade dos desprezíveis governos europeus, destruir a Rússia como fizeram com a Jugoslávia.
Ninguém pode prever como terminará esta guerra. No entanto convém lembrar, com Clausewitz, que durante séculos a Rússia foi atacada, fustigada e invadida.
Em cada caso, a princípio parecia que o desastre seria inevitável, mas sempre soube reverter o que parecia ser um resultado adquirido e derrotar os seus agressores.
Será diferente desta vez?
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