Escondido num local secreto, o arcebispo afinal elogiou o cardeal

Viganò elogiou publicamente o homem que agora usou para atacar o Papa. Mas ex-núncio recusa ser "o corvo"

Oarcebispo que alegou que o Papa Francisco sabia das acusações de abusos sexuais do cardeal americano Theodore McCarrick, desde 2013, e fechou os olhos, está escondido num local que não revela, com o telemóvel quase sempre desligado, por estar "preocupado com a sua própria segurança". No entanto, Carlo Maria Viganò já falou desse sítio secreto para reafirmar que não é ele "o corvo" e que não guarda ressentimento.

Dos EUA chegou entretanto um vídeo, divulgado pelo Catholic News Service (a agência de informação da Igreja Católica americana), onde o então núncio apostólico elogia publicamente o cardeal McCarrick. "Aqui está o homem que todos amamos...", disse Viganò do homem que agora usou para melhor atacar o Papa Francisco.

Num texto publicado pelo CSN estranham-se os argumentos usados na carta acusatória de 11 páginas escrita pelo arcebispo, na qual Viganò aponta o dedo a um suposto lóbi gay próximo do Papa, que está a querer promover uma alteração doutrinária da Igreja de Roma face à homossexualidade.

O antigo núncio afirma nessa carta que Bento XVI já tinha imposto sanções ao cardeal McCarrick, "em 2009 ou 2010", semelhantes às que Francisco impôs agora ao americano, que passavam pela proibição de celebrar missas em público, participar em eventos públicos ou deixar o seminário onde vivia.

Estas sanções nunca foram tornadas públicas e, a avaliar por vários testemunhos, fotografias e vídeos, Theodore McCarrick continuou a fazer uma vida normal, a celebrar e a participar em atos públicos, a viajar até ao Vaticano, sem aparente sombra de pecado. Por isso, há quem duvide da veracidade desta afirmação de Viganò. Aliás, o próprio embaixador participou em eventos que contaram com a presença do cardeal.

O CSN divulgou um vídeo (difundido também pelo Corriere della Sera) e duas fotos de um jantar de gala apoiado pelas Obras Pontifícias Missionárias, em Nova Iorque, em maio de 2012, onde Viganò saudou McCarrick como "embaixador pontifício para a missão", dizendo então: "Aqui está o homem que todos amamos..." O padre oblato Andrew Small, diretor das Obras, afirmou que o arcebispo Viganò nunca tentou dissuadi-lo de homenagear o cardeal nessa gala, quando afinal o núncio já conheceria as alegadas sanções aplicadas por Bento XVI.

Não sendo ele "o corvo", a ave de mau agoiro, como o próprio disse, Viganò não poupou nas palavras para atacar o Papa. "No caso de McCarrick, não só [o Papa Francisco] não só não se opôs ao mal, como se associou ele próprio a fazer o mal com alguém que ele sabia ser profundamente corrupto. Ele seguiu o conselho de alguém que ele conhecia bem como um pervertido, multiplicando exponencialmente com a sua autoridade suprema o mal feito por McCarrick", escreveu Viganò.

A carta das 11 páginas, que o Papa - na única reação pública - disse "falar por si", foi suavizada pelo jornalista Marco Tosatti, que ajudou o arcebispo a redigi-la. Foi um "arcebispo enfurecido", que não apresentou qualquer prova contra Francisco, admitiu Tosatti, mas condenou as redes homossexuais dentro da igreja que agem "com o poder de tentáculos de polvo" para "estrangular vítimas inocentes e as vocações sacerdotais". "A poesia é toda dele", do arcebispo, justificou Tosatti.

Depois de terminar o telefonema, Viganò desligou o telemóvel e simplesmente "desapareceu". Já no lugar secreto onde está protegido, Carlo Maria Viganò deu uma nova entrevista a Aldo Maria Valli, jornalista do Tg1, um dos cinco jornalistas que publicaram a sua carta. O antigo núncio apostólico nos EUA rejeita ter agido por vingança contra o Papa por não ter sido promovido a cardeal e espera que apenas que "a verdade venha ao de cima" sobre os abusos do clero, "por que agora corrupção atingiu o topo da hierarquia da Igreja".

Apontado como "exterminador de papas", Viganò é um dos principais envolvidos no escândalo do Vatileaks, que terá levado Bento XVI a um gesto raro: a renúncia. O mesmo gesto que o arcebispo exige agora de Francisco. Os ultraconservadores não perdoam a abertura ao mundo que Francisco, o Papa que veio do fim do mundo, tem imprimido à Igreja de Roma.

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