A GRANDE CIDADE ME RECEBEU, LUZES ACESAS, ESTAÇÃO DO ROSSIO, A POLICIA ME ESPERAVA: O LICINIO, MEU IRMÃO DO MEIO, POLICIA DE GIRO E POR FIM, SINALEIRO, MEU TUTOR DEFIM DE SEMANA!
- NO LARGO DAS OLARIAS, FORMEI-ME EM AVIADOR ! ACABADO O CURSO, FUI AVIAR PARA O
- LARGO DE SANTA BÁRBARA, UMA OUTRA FORMAÇÃO!
FICOU, ASSIM, REGISTADO:
DE SANTA BÁRBARA, O LARGO
I
Quando, passado cerca de um mês da minha chegada a Lisboa,
“aterrei” no Largo de Santa Barbara, o que primeiro me veio à ideia, num misto
de susto e humor, foi a “quase oração” que aprendi, lá nos confins da Beira
Alta, quando os relâmpagos iluminavam fugazmente a festa das nuvens e o
estrondear dos trovões ecoava pelas escarpas dos montes, e que era:
“Santa Bárbara
bendita, que no céu estás inscrita, em papel e água benta, livrai-nos, Senhor,
desta tormenta!”
Repetida no intervalo entre dois trovões, quando a
procissão das nuvens ainda estaria no adro! Quando ela estava já bem perto e as
dores intestinais das nuvens eram uma urgência meteorológica, a oração era
interrompida, muitas vezes ficando só pela Santa Bárbara, outro raio iluminava
a noite e logo o choque em cadeia na autoestrada do céu se fazia ouvir, móveis
a serem arrastados e atirados uns contra os outros numa confusão apocalíptica,
sendo a oração substituída por “ai valha-nos Deus”, “ai valha-nos Deus” não por
perda de confiança na Santa Bárbara, lá no alto, fechada na sua pequena orada.
E a prova de que a protetora contra as iras atmosféricas estava atenta, mal o
resultado do choque em cadeia das nuvens se aproximou da sua casa, os deuses se
adoçaram seus maus humores e tudo parecia voltar à sua frágil normalidade, mas
não raro era recomeçar tudo e o medo também.
II
Era Outubro. Os dias vinham minguando desde Junho e a
temperatura tinha já feito esquecer o Verão.
O senhor João Carlos Fernandes, acidentalmente meu patrão,
tal como eu fui seu acidental empregado, era baixote, a ensaiar uma calvície
sem brilho, vermelhuço demais para poder ser considerada uma cor sadia,
parecendo estar sempre em estado de apoplexia; caminhava em passo miudinho,
biqueiras dos sapatos e dos pés exageradamente voltados para fora, tal como os
patos, mas descalços, característica que mais tarde notei em todos os
indivíduos, ou quase, que passaram longos anos atrás de um balcão, ensaiando
corridinhas, que logo eram suspensas, entre as prateleiras e o balcão ou entre
a montra que muitas vezes era no passeio e na entrada do portão, dali até à
balança; os olhos eram pequeninos, mas pareciam querer saltar das órbitas a
cada instante, o que felizmente nunca sucedeu.
III
No dito Largo, de Santa Bárbara, para uns quantos estreito,
os de largos horizontes, desembocavam ou embocavam, é difícil distinguir qual é
o lado da boca das ruas, duma forma “afadistada”, a rua de Arroios, de há muito
sem arroios, só prédios de ambos os lados e uma serração de madeira lá mais a
norte, de onde ela vem e se queda, sem ousadias ou humildades, no Largo dito de
Santa Bárbara;
A Rua de Egas Moniz, bem pequena rua para homenagear tão
ilustre cidadão, que liga o Largo à avenida do Almirante Reis, esta sim, grande
e comprida, para que o Almirante pensasse no seu amplo mar, indo do Socorro à
praça do Areeiro, hoje de Francisco Sá Carneiro (de tudo tem este finado
cidadão, que um brutal acidente de aviação roubou à politica deste pequeno
País; tem Praças, Ruas, Pontes, Avenidas, aeroporto e…ficamos por aqui, é muito
ter para quem nada pode usufruir, a não ser o que todos nós temos garantido: o
eterno descanso!);
A Rua dos Anjos, ficam sempre bem juntos aos Santos ou
Santas, neste caso era a Santa das Trovoadas, revelando uma saudável forma de
convivência, sem disputas de lugar mais próximo de Deus, o que seria, no mínimo
um contra senso, uma vez que Deus é omnipresente, tudo e todos à mesma
distância e tudo e todos Deus sendo, eu incluído por que não sou um filho, mas
também não sou de Deus enteado.
Os anjos são no céu as rosas brancas dos altares terreais,
para gáudio Divino. A Rua dos Anjos, dizia, começa ou acaba, emboca ou
desemboca na Avenida do Almirante, partindo do Largo que tento trazer à ribalta
e vai obliquando, não sei por que razão, talvez para encurtar caminho e se
juntar ao almirante mesmo em frente ao que foi o cinema Lis. A avenida do
Almirante é comparada ao meu Rio Douro que engole o outro meu Rio, o Côa,
alguns dizem que é o abraço de irmãos, mas acho que é boa vontade e alguma
conivência com a má matéria de comparação, agora nada tem a ver com as ruas e
largos; muitos irmãos teria o Douro desde a serra onde nasce lá em terras de
nuestros hermanos até ao Porto onde pelo mar Atlântico é por sua vez tragado;
insisto no engolido, comparando com o que se vem passando com as grandes
superfícies comerciais que vão engolindo todos os mais pequenos, engordando à
custa do seu sacrifício e só aguardo o dia em que encontrem o seu mar que sei
qual será, mas não digo.
A Rua do mesmo nome do Largo, Santa Bárbara, começa ou
acaba no Largo, entre velhos prédios e o resto de uma duna do lado direito do
inicio da rua, indo “desaguar” no Largo dos Passos da Rainha, esqueceram-se de
dizer qual, mas deve ter sido devido à pequenez do largo que, mal começa no fim
da Rua da Santa Bárbara, logo é absorvido ou assimilado pelo dos Mártires da
Pátria, espaço interessante este, amplo e bem iluminado pelo Sol por serem de
pequena estatura os prédios que o delimitam, alguns destes de arquitetura rica
e sólida; os mártires da Pátria, que tantos foram e continuam outros, bem
merecem, na Capital do Reino, um espaço com esta beleza e equilíbrio;
A Ocidente, num plano de acentuada inclinação, acaba ou
começa a hoje chamada Rua de Jacinta Marto, do quartel da unidade de Cavalaria
da Guarda Nacional Republicana e não sei por que motivo era designado também
por Cabeço do Bola. Esta designação só ouvia e não muitas vezes, da boca das
residentes mais antigas, de língua afiada algumas delas, quando se referiam a
outra pessoa com quem andasse de “candeias às avessas” ou com ela discutiam: “ah,
se o teu problema é esse, vai ao Cabeço do Bola que os tens lá de todos os
tamanhos!”. Esta Rua, que antes foi de Joaquim Bonifácio, prolonga-se até ao
alto do Conde Redondo, onde, do lado direito, está situado o Hospital de Dona
Estefânia e que seria a dona daquele belo espaço com o seu palacete onde se
terá iniciado a utilização como unidade de doença e algumas de saúde e mesmo no
limite, também do lado direito, foi construído o edifício para a Policia
Judiciária e que ainda por lá anda!
Não lavei lá atrás o meu protesto contra esta arrogância
dos edis que, só porque pensam que ao serem eleitos passam a donos e senhores
de tudo o que é municipal ou municipável decidem, sem consultarem os anteriores
usufrutuários se prescindem ou não do direito que lhes cabia, se não por
herança ao menos respeitando o direito que a Lei de usucapião consagra a quem,
durante umas três dezenas de anos, utiliza a propriedade, dela cuidando,
usufruindo e pagando os seus impostos! Não tenho nenhuma simpatia especial, foi
fazendeiro lá para Campinas no Brasil e chegou a Barão e Visconde de Indaiatuba,
Campinas, Brasil, devendo ter sido dele a bela propriedade do Hospital; ou
talvez do multimilionário grupo Monteiro Aranha, por ele iniciado, lá no
Brasil! O senhor Visconde até podia nem se importar, tanto mais que era para o
nome de uma das mais mediáticas, mais a irmão Lúcia dos Segredos, e o Visconde,
sendo maçónico, até devia querer mostrar abertura ao pessoal da Opus Dei! Mas
isto são considerações que outra intenção não têm do que eu acho, talvez mal,
desta falta de respeito pelos que já se foram, tanto mais que a irmã Jacinta
Marto nunca revelou tendências de querer ser grande proprietária nem outra
qualquer, mesmo a de ser santa, pois a idade com que foi testemunha da aparição
era uma criança que guardava umas quantas ovelhas nos montes da Cova da Iria.
Não terá ficado muito claro o meu protesto, mas às escuras também não ficou!
No ponto onde a anterior rua começa ou acaba, começa ou
acaba outra, fazendo uma perpendicular ou lado do angulo reto, a de Passos
Manuel, paralela à Rua de Arroios, a primeira de que falámos, com seu
prestigiado Liceu e seus edifícios a mostrarem a bela azulejaria portuguesa!
Este era o cerco do Largo que deu origem ao nome do texto,
o de Santa Barbara.
IV
Se a forma pouco linear, como muitos gostam, do enquadramento
paisagístico do Largo de Santa Bárbara é notória, já do ponto de vista
religioso e da cultura é digno de nota:
- À Santa Barbara acorreram os Anjos, não os arcanjos
porque serão poucos e têm que estar sempre à disposição de Deus! Logo, não
poderiam acudir a todos os santos, mesmo que da Santa das Trovoadas se
tratasse; os anjos, em geral, como um coro de conselheiros, estão sempre
prontos a dar uma ajuda, seja a quem for; mas como eles só por si não
bastassem, alguém da terra entendeu que devia levar-lhe mais uma boa vizinha, a
testemunha do milagre de Fátima, uma dos três, também eles destinados a
apaziguar, em nome do Céu, não as trovoadas das nuvens, mas outras, não menos
assustadoras, como o foram a Rússia, mas isso é outra conversa que não irá aqui
ser tratado, podendo alegar que tal assunto nada tem a ver com a Santa Bárbara
e da tão temida Rússia já pouco resta, para bem do mundo e descanso dos santos
todos, vivos e finados; o perigo agora, sendo o mesmo, parece ser de outra
ordem, que também não vai ser aqui tratado, já que a vida continua e a história
faz-se com a vida em movimento. Ou como o guru da Democracia portuguesa, ainda
no activo, o caminho faz-se, caminhando! É um génio este líder!
Mas também os humanos como tal, se juntaram a Santa Bárbara:
Egas Moniz, que tanto ser o cientista de renome mundial, prémio Nobel da
Medicina, como o respeitável fidalgo do mesmo nome, do principio da
nacionalidade, conselheiro do Infante, homem de honra impoluta que, segundo a
história, terá ido ajoelhar-se aos pés do Rei de Castela, por o seu discípulo
não ter cumprido a palavra dada, em nome da qual ele empenharia as suas barbas!
É de homem! Hoje…?!...nem barbas e muito menos cumprir a palavra, já que da
honra os tempos mudaram o conceito e as barbas qualquer cidadão as pode usar e
até abusar! Tempos…!
E o Passos Manuel, português do seculo XIX, político e
mestre no ensino e na economia de então, hoje sem aplicação prática, bem
mereceu uma rua como a que lhe foi destinada, nesta partilha um tanto “trolha”
que a edilidade vai aplicando.
V
Não poderá Santa Bárbara queixar-se da ilustre companhia
que a envolve e nela converge todos os dias, nesta época do automóvel,
eléctrico, autocarro e a maioria a pé; há não muitos anos todos o faziam desta
ultima forma: a pé, calçados e descalços, até que a lei proibiu que na rua
andassem pessoas descalças, ficando sujeitos a coimas os que prevaricassem. Os
burros e machos, melhor dizendo, o gado de raça asinina e muar, para não cair
na peca forma de excluir burras, eram os transportes mais comuns; o eléctrico e
o automóvel era novidade de não muitos anos! Alguns, poucos, com seu habitual
ar marialva, lá se passeavam ou pavoneavam, montando lustrosos e bem arreados
equinos!
Do que não poderá Santa Bárbara é dos seus utilizadores
actuais, residentes ou simples passantes.
Embora o acordeão, não sei porquê, mas desconfio, nunca
terá sido um instrumento que entusiasmasse multidões populares, nem mesmo o
restrito grupo dos ditos eruditos, como é o caso do piano ou do violino, por
exemplo, mesmo estes tenho alguma dúvida que seja genuíno o seu gosto, alguns
conhecendo que é só por vaidade, por ser fino gostar de violino! E tanto assim
será que a fórmula usada para definir a linhagem de alguém, que não dava nas
vistas, era: toca piano e fala francês!
Mesmo com estas condicionantes o certo é que Santa Barbara,
naquela época, dava guarida domiciliar a uma das mais notáveis executantes de
acordeão: Eugénia Lima.
Havia, quase de certeza, outras pessoas de valor no campo
das artes e da cultura em geral, mas terei passado ao lado delas com a pressa do costume, a que o ritmo de
trabalho de um registador e distribuidor de mercearias ao domicílio, outro não
permitia. Muitas vezes nem chegava!
VI
No iniciático contacto em pleno Outono, as noites
avizinhavam-se depressa do meio-dia, ou doutra forma, os meios-dias é que eram
vizinhos apressados das noites e com estas tudo mudava: os estabelecimentos
comerciais fechavam às dezanove, excepto a taberna e a fauna era outra que dominava
o Largo e vizinhança!
A Fábrica Portugal, que produzia quase só fornos a lenha e
dominava já a técnica dos fogões a gás, o das Companhias Reunidas do Gás e
Electricidade, empenhada em levar luz e gás a todos os lares de Lisboa, até há
algum tempo quase só usado nos candeeiros da via pública, com seus isqueiros na
ponta de um pau ou cana e que um técnico ia acendendo um de cada vez até ficar
iluminada uma boa parte da cidade...? Claro que não podia ser um só manobrador
dos isqueiros, senão levava a vida de cana na mão e a cidade às escuras, mesmo
sendo mais pequena do que hoje é.
A Fábrica Portugal iniciava a laboração às oito da manhã e
terminava às dezoito, com intervalo para almoço, dando trabalho a cerca de
duzentos operários, distribuídos por várias especialidades que, a partir de
chapas planas iam cortando, dobrando, furando, soldando, pintando e embalando
não sei quantos fogões por dia.
A Fábrica era no Regueirão dos Anjos, paralelo ao Largo de
Santa Bárbara e a parte da Rua de Arroios, a Norte e ainda uma parte da Rua dos
Anjos, mas terminava na Rua Egas Moniz, o Regueirão é que continuava mais uma
centena de metros, passando por detrás da Santa Casa da Misericórdia, a da sopa
dos pobres e da Roda, até se juntar à Almirante Reis um pouco antes da “foz” da
rua dos Anjos.
O tempo ainda era de sirenes a anunciar o início da
laboração, o de suspensão para almoço, para o termo do período e no final da
jornada de trabalho. Era já usado o cartão de ponto, quer na Fábrica Portugal,
quer noutras de menor quadro de pessoal e que servia para avaliar da
assiduidade, pontualidade e daí a respectiva punição, ou no salário, que era
semanal e mais tarde na promoção ou outra qualquer regalia que estivesse
estabelecida pela administração.
Estamos a reportar-nos ao inicio da década de cinquenta,
para comparar com o século XXI, onde até há bem pouco tempo, os digníssimos
representantes das Associações Patronais enchiam a boca, para levarem a água ao
seu moinho, com assiduidade, pontualidade e mais já para o fim, quando sentiram
que tinham a sua gente nos postos de decisão, Presidente da República, Governos
e espalhados por tudo o que era Direcção Geral e que passaram a ser chamados de
Institutos, deixaram de clamar por menor Estado, Melhor Estado e passaram a
querer flexibilidade, de horário, de local de trabalho e também de
produtividade e competitividade, tudo no mesmo saco, tipo salada de frutas, mas
sem fruta.
Eis que estoirou a crise, declarada como se fosse uma
guerra dos tempos idos, em que eram negociados os tempos de paragem para beber
uma “bejeca” fresquinha, e a partir daí acabaram-se todas as exigências, entrou
tudo na paz dos anjos e caiu nas graças do Senhor! Todos estão com a crise,
sobretudo os Bancos e seus accionistas agiotas e preguiçosos parasitas. Estão,
como é costume dizer-se “nas sete quintas”.
Voltemos ao Largo de Santa Bárbara, onde em Outubro, pelas
dezoito horas era quase noite.
A Fábrica Portugal, cujo símbolo era a cabeça de um leão,
vá-se lá saber porquê, tinha um grande refeitório para os operários que por
falta de condições habitacionais ou pouco jeito para cozinhar, ali fazerem a
refeição do almoço, mais económica que no restaurante, como económico era o
salário recebido.
Outros havia que, por uma questão de economia também, ou
porque a dieta do refeitório lhes não agradava, quase sempre com família,
traziam a sua lancheira, pequena maleta de cartão ou madeira, onde arrumavam as
marmitas em alumínio – o plástico estava ainda no segredo dos deuses terreais –, bem arrumadas, com dois pisos e um lugarzinho reservado à garrafinha do tinto,
só para aconchegar. E formavam uma enorme esplanada, quando o tempo o permitia,
sem mesas nem cadeiras, ao longo dos passeios ou nos patins de entrada dos
prédios e até mesmo no espaço interior das entradas de serviço, sobretudo
quando a chuva ou o sol demasiado quente o aconselhavam.
Línguas afiadas, por vezes bem-humoradas, provocavam todo o
que passava, velho ou novo, homem ou mulher, sobretudo os vendedores ambulantes
de fruta ou peixe, na sua maioria mulheres; de língua tanto ou mais afiada do
que a dos comensais de passeio.
Aqui era, como hoje se diz e eu ainda não entendi o seu
real significado, a desbunda total:
- Oh, vizinha, não quer provar a minha dobrada? Perguntava
um.
- Oh, homem, pelo teu ar deslavado deves estar a ser
franco, deves ter mesmo só dobrada! Coitada da tua mulher! Come devagar, não te
vás engasgar!
Gargalhada geral na esplanada!
-E das minhas pataniscas? Perguntava outro à que vendia
retrosaria.
- Oh, filho, das tuas pataniscas nem vê-las! Se o mê homem
te ouvisse quem as comia era ele! E a seguir comia-me a mim, tás a ovir? É só
malandragem nesta fábrica! Vê se me arranjas um fogão mais barato, porque o meu
a pitrol tá sempre com o bico intupido!
- Ah, ah, ah, ah nova gargalhada geral!
- E o teu homem não ajuda a desentupi-lo? Perguntava um
outro meio envergonhado.
- É grande demais para o buraquinho do fogareiro, mas se
for preciso ele dá um saltinho a tua casa! Eu também não deixe ele mexer no
fogareiro p’ra não cheirar a pitrol quando vai para a cama!
- Pois, pois, já entendi! Dá-lhe cumprimentos cá do
caldeireiro e se precisar de ajuda…?!
- Oh, filho, deve ser só fome lá por tua casa, quanto mais tu
dares uma ajuda na minha! Na minha casa, ouviste bem?!
Os que primeiro eram servidos no refeitório, sabedores do
espectáculo diário na esplanada, comiam às pressas para irem ainda aproveitar
parte do espectáculo e nele participarem algumas vezes, quase sempre sem
ganhos; outros corriam direitinhos à tasca do galego e atiravam-se ao bagacinho
para ajudar a digestão da feijoada, diziam eles, sem convicção e a pensarem no
peixinho cozido que era a dieta daquele dia!
Os que ficavam na esplanada das marmitas iam atirando
farpas aos já almoçados:
- Então qu’é que tua patroa te mandou hoje?
- Hoje foi só marisco; lagosta suada e estava um pitéu!
- Qualquer dia manda-te a sopa envenenada, quando souber a
rês que temem casa!...
- Por isso é que venho trabalhar e mal chego a casa dou
logo o fora p’ra não a aturar!
- És um coirão, não mereces a mulher que tens!
- Porquê, quere-la para ti? Eu faço-te um preço barato! Mas
não, tu não és homem p’raela! Aquela tem pelo na venta!
- Amanhã vão ser bifinhos de vitela e uma garrafinha do
tinto, mas sem água, cá o meco faz trinta e cinco anos! Trinta e cinco
primaveras!
Estava a tocar para a entrada! A zoada dos alumínios e
fechos de lancheira a bater e logo o bando batia asa pela Travessa do Regueirão
que ía dar mesmo à entrada da Fábrica e logo se formava uma bicha em direcção
ao placard dos cartões de ponto.
VII
E ali ficavam umas dezenas de tostões, na tasca e na
mercearia.
À saída tudo era diferente: as vendedeiras tinham desaparecido
e começavam a chegar os que noutros pontos da cidade trabalhavam, nomeadamente
funcionários públicos e bancários, que se cruzavam com os que começavam a sair
de casa para outras vidas, as da noite! Que só mais tarde entendi. O tempo era
pouco para lhes dedicar atenção e as conhecer; estava ainda mais preocupado em
fixar os nomes das ruas e a melhor forma de a elas chegar pelo caminho mais
curto e menos penoso.
O trabalho durava até às oito da noite, mesmo que a
mercearia fechasse às sete, pois tudo tinha de ser arrumado e limpo para que no
dia seguinte de manhã tudo estivesse em ordem para novo dia de trabalho igual.
O prédio de frente, o que fazia gaveto com o Largo e a Rua
de Arroios, tinha cinco andares de apartamentos.
Excepto um, do primeiro andar, habitado por duas famílias e
outro do quarto piso, habitado por duas irmãs, todos os restantes estavam a
funcionar como camaratas ou os moradores arrendavam os espaços disponíveis,
tentando retirar o maior proveito do apartamento.
Era o refúgio e lugar de residência, quase sempre precária
e de pouca duração, de um vasto leque de profissionais, eu próprio estive num
deles cerca de dois meses, partilhando o quarto com um homem com o triplo da
minha idade e que fumava cigarro atrás de cigarro, a qualquer hora da noite,
bastava acordar e de imediato um cigarro aparecia, como que por magia, na sua
mão. Numa dessas noites de alguma insónia ou outro qualquer motivo, deve ter
acendido o cigarro, mas antes de terminar o sono o venceu e adormeceu com o
cigarro aceso! Só acordou com a cama a arder e eu com o barulho do alvoroçado
senhorio e família!
Mas era a prostituição quem maior quantidade de ocupantes
fornecia para aquele tipo de oferta de residência, a maioria, senão a
totalidade de não profissionais “encartadas”, como as que dessa forma ganhavam
a vida e também a perdiam, pois era e é uma profissão com riscos. As encartadas
que pagavam os seus impostos, foram “extintas” em Janeiro de sessenta e dois,
com as guerras coloniais já em curso e cada vez mais isolado este pobre País,
berço de heróis e de santos, marialva quanto baste, sempre disposto a aceitar
tudo, desde que não o obriguem a decidir.
A profissão foi legalmente extinta, foram cassadas as
carteiras profissionais, mas uma coisa é a lei, outra bem diferente é a sua
aplicação! Quem faz as leis, aquelas ou estas do século XXI, sabe muito bem que
não são para aplicar, são só para dar nas vistas ou como costumava ser dito
“são para inglês ver”! A lei serviu apenas para: acabar com as filas
vergonhosas, de mulheres novas e mais velhas junto dos postos sanitários para,
burocraticamente, ser posto um carimbo que a nada correspondia em termos de
segurança no “trabalho”, de quem o prestava e de quem dele se servia; encarecer
o “produto”, naturalmente, uma vez que o mesmo passou a estar desprotegido por
um tecto e passou a ser procurado na via pública, com polícia distraída, mas à
vista e o preço cobrado nos locais era à peça e à pressa! Aumentou
substancialmente o número de praticantes, por a procura ter aumentado bruscamente,
com o abastecimento da exportação para as guerras! De legal passou a
clandestina, como clandestinos eram os que aos milhares foram procurar
trabalhar na França e Alemanha, países a reconstruir ambos saídos cheios de
mazelas que a Guerra provocou, escapando à guerra colonial ou às masmorras do
regime. A manutenção das guerras tornava mais difícil também o nível de vida e
era a sua melhoria que muitos procuravam.
Santa Bárbara e vizinhança, sem grandes preocupações
sociais, lá ia integrando, nalguns casos desintegrando, largas dezenas dos que
a tal “sorte” não bafejou! Ou será fortuna?
Alguns desses sem fortuna, quase sempre algumas, eram
adolescentes, mais naquela época do que hoje, em que a maioridade era a partir
dos vinte e um anos, tal não impedia que fossem contratados como assalariados,
aos treze e catorze anos, fazendo os seus descontos para a Segurança Social,
então com o nome de Caixa de Previdência do respectivo ramo de actividade.
Estes e estas, sem fortuna e sem voz ou outro direito de cidadania,
começavam, ainda de madrugada, a trabalhar no “duro” eles, quando elas estavam
a regressar ou estavam no primeiro sono, por o seu turno ter sido durante a
noite, por vezes até alta madrugada, trabalho menos penoso fisicamente que os
da sua idade, mas aviltante, perturbando a sua formação intelectual e
espiritual.
Uns e outras, quase sempre vindos de aldeias próximas da
cidade e nalguns de outras bem mais longínquas, como fora o caso do autor deste
“desabafo” escrito.
VIII
De vez em quando sucediam cenas de violência, em pleno dia,
a maioria delas por ciúmes, tendo como protagonistas gente que não morava ali
perto e só arribavam a Santa Bárbara para desencadear as trovoadas a que
raramente a santa podia proteger por fazerem parte de longínquas nuvens: ao
marido que deixara de cumprir o contrato conjugal frente ao altar jurado; ao
amante que deixou ou descurou o romance; algumas vezes os pais vinham buscar
pela orelha a miúda que, quase sempre por o lar donde saíram lhes não garantir
sossego, acabando por acertar num lar sem lareira, quase sempre em quartos
entalados em tabiques de madeira, onde mal cabia a enxerga para descanso do
molestado corpo e não era raro que nesse espaço, onde mal cabia um corpo, se aninharem
dois
Vivi uma situação semelhante, no paquete Vera Cruz, de
Lisboa para Luanda, com o porão transformado em camarata para soldados, em
que as camas eram pequenos estrados em
madeira, onde um corpo mal cabia, encostadas umas às outras e com um
estreitíssimo corredor entre grupos de quatro em que o acesso se fazia pelo
lado dos pés dos estrados.
O que os sub alugadores procuravam, numa dimensão
diferente, era o mesmo que os investidores de hoje e de todos os tempos em que
os negócios do dinheiro existem, ou seja, ganhar muito e investir pouco.
A promiscuidade era muita, mas indiscutível, o livro de
reclamações só muito mais tarde foi inventado e pouca utilidade tem, do que
conheço; mesmo que houvesse tal coisa os possíveis reclamantes não o podiam
fazer, ser adolescente era não ter direitos e qualquer individuo mais velho,
mesmo não tendo qualquer grau de parentesco com o jovem, vigorava a norma de
que o mais velho era quem tinha sempre razão e a quem era devida obediência.
O incidente mais grave ou pelo menos mais teatralizado, há
muito esperado, por alguns desejado e tido como inevitável, ocorreu no Outono
de 1954, se a memória me não trai, que envolveu o galego, dono da taberna ao
lado da mercearia, tendo a separá-las apenas a porta larga de entrada para o
Centro Escolar Doutor Salgueiro de Almeida e as mulheres de alguns operários da
Fábrica Portugal.
Num dia desse ano e estação, inesperadamente, apareceu na
tasca uma máquina que o galego comprara ou deixara instalar por conta de
alguém, chamada slotmachine; foi colocada sobre uma mesa alta, no canto do lado
esquerdo de quem entrava.
A mesa, sendo mais alta do que as outras três que serviam
para os clientes se sentarem a beber o seu copo de tinto ou branco e comer um
qualquer petisco, tipo pastel de bacalhau ou uma isca de fígado, não era para
que a tal slotmachine se sentisse mais confortável, era para facilitar o acesso
em pé ao utilizador, ocupando menos espaço e deixar que outros futuros
candidatos se fossem habituando como a máquina funcionava.
A seguir à natural curiosidade e a alguns escudos por umou
outro arrecadados dum ganho mal contabilizado, pois a maioria recebia bem menos
do que lá tinha deixado; dizia que após a curiosidade inicial a máquina logo se
tornou conhecida e frequentemente utilizada, guardando sempre algumas moedas e
devolvendo quase nenhumas. Mas o seu percurso estava definido, ou assim
parecia.
Durante o dia só um ou outro “vadio” aparecia e jogava até
se acabarem as poucas que um vadio traz consigo! Convém explicar que, naquela
época, vadio era todo o que não trabalhava, mas só a partir do momento em que
por qualquer razão fosse levado pela polícia e não explicasse de que vivia e
chegavam a ser julgados, mas presos por vadiagem não eram. Normalmente ou eram
mandados em pazou multados e a coima podia ser paga ou transformada em dias de
trabalho nos serviços camarários. Não havia trabalho, mas desemprego também
não, lógica do sistema “A bem da Nação”
Muitas vezes o investimento no jogo era o resultado da
mendicidade, que também era proibida. Institucionalmente só a Santa Casa da
Misericórdia e os invisuais inscritos na Instituição Luís Braille podiam
oficialmente esmolar. Como tudo era Corporativo, a mendicidade não fugia à
regra.
Ao fim da tarde, quando a sirene da Fábrica Portugal dava
por encerrada a jornada de trabalho, muitos dos operários tentavam ser os
primeiros a marcar o cartão de ponto para tentarem ver quem primeiro chegava à
tasca do galego! Formavam-se as filas, primeiro a marcar o ponto e depois
dentro e fora da tasca, havia empurrões, insultos mesmo, alguns dirigidos ao
que naquele momento utilizava a quase virgem namorada que o galego lhes
arranjara! E ao próprio galego eram dadas sugestões: “ porque não manda vir
mais duas ou três?” Mas para o utilizador eram outras as “bocas”: “vê lá se te despachas,
quere-lo todo para ti, oh gosma?!” No início eram tidas como brincadeiras, mas
não tardou muito que os amigos até aquele dia, ou até a slot ser plantada,
quase se matassem à pancada depois de uma sessão de jogatina no cantinho do
galego!
Se ao fim da tarde de qualquer dia da semana a confusão era
grande, à sexta-feira, dia em que era paga a semana de trabalho, as coisas
complicavam-se muito mais, junto e muito distante da maquineta que desinquietou
aquela gente e o Largo de Santa Bárbara, que bem podia esquecer as iras das
nuvens e tentasse apaziguar as batalhas do seu Largo.
Aos operários da Fábrica começaram a juntar-se os da
construção civil que estavam a construir o segundo edifício de cinco andares
para a Joaquim Bonifácio e agora da Jacinta Marto e de algumas oficinas de
mecânica e pintura de automóveis e até alguns da serração Lisbonense, um pouco
mais acima da Rua de Arroios.
O produto estava a ter tanta procura que o galego andava
numa roda-viva a tentar comprar outra máquina e pensar no espaço onde a
instalar.
Não eram poucos os casos em que alguns mais ousados ou
menos responsáveis, a máquina lhe ficava com todo o dinheiro da semana! Dava
umas moedas de vez em quando que funcionavam como acicate para continuarem, não
sabendo, como alguns sabem hoje, que quem concebeu a máquina lhe deve ter deixado
bem vincado que nunca podia dar o que não tinha e ela ia cumprindo sem falhas o
seu papel. Quem falhava quase sempre eram os que na ganância ou ilusão de
ficaram ricos, ali arriscando do primeiro ao último escudo. Nunca pensaram que
se ricos ficassem, não era à custa do galego, mas sim dos seus colegas de
trabalho e de um outro que não conheciam! São pensamentos que não ocorrem a
quem joga sem pensar.
Lá havia um ou outro que, num momento de sorte, ficava com
saldo positivo e eram estes pequenos acicates que levavam outros à perdição,
por todos acharem que também iriam ter o seu momento de sorte; e os escudos iam
entrando para o mealheiro da slot que parecia não ter fundo.
E na montra da fruta lá se alinhavam duas maçãs e um limão,
ou duas peras e uma maçã, mas ficarem três em linha era uma raridade e quando
tal sucedia eram frutos da época e da abundância e toda a gente sabe que quando
há abundância de alguma coisa que não pode ser guardada muito tempo o preço
baixa e na fruta da slot, não sei bem com que intenção, a fruta que rendia mais
era a que a árvore produzia e ela própria guardava, eram os limões! Visto a
esta distância temporal e já longe das emoções que via estampadas no rosto dos
que já tinham sido espoliados, atrevo-me a brincar com a situação e pensar que
o valor do limão era provocação.
Longe dali e em vários pontos da cidade estava a crescer o
que poderíamos chamar a raiz da rebelião, tendo sempre a mesma causa, desavença
familiar; ou porque o marido duma chegava a casa sem a semanada, o de outra
pura e simplesmente não aparecia, outros mais cautelosos, avisados não, porque
o monstrinho do galego era novidade pata todos, paravam antes de ficarem lisos,
mas a matriz da vaga de fundo era a mesma.
Uma tarde apareceu a mulher de um dos operários da Portugal
a tentar investigar a quem o marido entregava a semanada muito antes de chegar
a casa de bolso vazio e uma semana nem chegou sequer a casa, como sempre
sucedia.
Como já tinha uma pista era só confirmá-la! Entrou na
taberna, nem bom dia nem boa noite, não respondia ao galego quando ele
perguntava se queria alguma coisa, apenas olhava para a slot! Mediu-a de
alto-a-baixo como quem tenta medir o tamanho do “banco” que guardava as
semanadas do seu homem. Antes de virar costas avisou o galego: “Você e este
traste, fiquem a saber que não vou deixar que roubem o pão dos meus filhos!”
O galego ainda respondeu que non obrigava nem chamava
ninguém!
A ameaça ficou no ar. E a máquina ficou silenciosa e
empoleirada na mesa alta e o porta-voz era o galego! Por pouco tempo.
Dias depois apareceu outra mulher, com dois garotos pela
mão, entrou na tasca e virando-se para o mais velho comentou, apontando a slot:
é esta a amante do teu pai, é esta que lhe fica com a semanada!
O miúdo ouviu, atento, mas não percebem muito bem a
comparação de uma máquina-amante e ficou calado.
Não tinha decorrido uma semana sobre a visita da mãe com os
filhos pela mão, perto da hora de saída do pessoal da Fábrica Portugal, aparece
um grupo de seis mulheres e quase outras tantas crianças, em passo acelerado,
vindas da Rua de Santa Bárbara, atravessaram-lhe o Largo e foram direitinhas à
taberna.
Sem os devidos cumprimentos entraram pela porta larga
sempre aberta, comandadas pela primeira que visitou o galego e num ápice a
machine foi apeada do seu trono e levada por quatro mãos calejadas de duas
robustas mulheres até ao asseio, enquanto um coro de ameaças ribombava pela
Travessa do Regueirão e se misturava com o toque da sirene a autorizar os
operários a saírem.
Mal chegaram ao passeio, com o galego a protestar em todos
os idiomas do seu vocabulário galaico-português, ergueram a slot bem acima das
cabeças, como fazem os ferrenhos do futebol aos seus ídolos e os das toiradas
também, só que em vez de irem dar a volta ao largo com ela em ombros, foi
atirada com toda a força sobre a calçada, quase se espalmando e no seu interior
os três limões, à pressa, se alinharam e um jackpot de moedas, todas iguais,
saltou, algumas delas, desorientadas, rolaram pelo passeio, algumas atravessaram
a rua e ao baterem no lancil tombavam e ali ficavam até que alguém se baixava e
a apanhava.
Algumas, poucas, encaminharam-se para a descida do
Regueirão, como quem vai ao encontro do seu dono e foram mesmo algumas travadas
na descida e apanhadas, sendo a primeira vez que dinheiro lhe era enviado como
se um milagre estivesse a acontecer. Mal chegaram ao Largo e viram aquele
aparato, as peças da slot a serem pontapeadas e os miúdos, dois deles filhos de
um dos primeiros que chegou, o mais pequeno correu a agarrar-se às pernas do
pai, o outro lá continuava na sua faina de apanhar chapas de “cinco coroas”,
era assim que a moeda de vinte e cinco tostões era mais conhecida!
“Que se passa aqui?” Perguntou à sua mulher o pai dos dois
miúdos.
E a resposta, pronta e decidida: “Não se passa nada, já se
passou!”
O grupo aumentou com os operários a chegar e os juízes do
costume a avaliarem os prejuízos, atribuírem indemnizações e responsabilidades,
mas ainda ia demorar porque nenhum deles sabia o custo da maquineta e muito
menos o valor do arrecadado!
Uma senhora, com ar de escandalizada, perguntou que
tempestade era aquela e de onde tinha vindo?
“Oh, madama, é uma trovoada e foi mandada por Santa
Barbara, devia estar distraída e em vez de proteger o galego deixou que um raio
lhe caísse na tasca” Percebeu, oh granfina?
“ Ah, coitado, que fez ele de mal?” Perguntou a dama.
O galego, no início de boca aberta e a bracejar, dirigiu-se
para a porta com a intenção de se ver livre da confusão, fechando-a, mas a
mulher dele, disse para não o fazer antes que considerassem uma afronta e a
porta continuou aberta.
Em passo lento e apito na mão, aproxima-se do local do
tumulto que tentou acalmar, ou fingiu, mas as vozes das mulheres exaltadas,
naturalmente, baixou de tom e ele foi testemunhando, quando o grupo, levantando
âncora do Largo e alguns miúdos ainda viam se tinham apanhado todas as moedas,
a porta-voz do grupo de visitantes dizer para o galego:
“ Não se atreva a pôr outra no lugar desta, pois vai
ter-nos sempre à perna (ela devia querer dizer, à porta!) e se a encontrarmos
não é só ela a ficar escaqueirada no passeio! A você, seu ladrão, seu
vigarista, ainda faremos pior, pisamo-lo a pés! Ouviu?! Vigarista!”
E zarparam, de peito erguido, quais padeiras de Aljubarrota
de agora!
Da boca do galego não saiu nem xó nem arre!
Mas ainda ouviu a tia Maria dos Anjos, moradora idosa e
dobrada pela cintura devido a qualquer problema antigo na coluna vertebral,
pedinte compulsiva, mas quem a conhecia bem afirmava que era só vicio, pois
tinha dinheiro e acções do Montepio e que guardava numa bolsa pendurada à
cintura e que era para defender os bens móveis que ela andava assim curvada,
dizer: “mais vale pedir esmola que roubar, eu não lhe dizia seu galego sovina?
“ Vai pró diabo, sua bruxa! Até nem no inferno o diabo te
quer!”
O senhor Sousa, sempre bem vestido e acompanhado do seu
ganso de estimação, grande e acastanhado, sempre de goela aberta a emitir
aquele som de cana-rachada e a atirar-se a todo o que se aproximasse mais do
seu dono do que estava previsto no código gansal; parecia um pastor alemão
treinado para defender o tratador; dizia eu que o senhor Sousa e seu ganso
passavam em direcção à Rua dos Anjos, o ganso grasnou com toda a força de suas
cordas vocais e pulmões e correu atrás de um maltrapilho que, quase de gatas,
tentava apanhar, a que seria
aúltima moeda do espólio da slotmachine.
O galego percebeu a lição e nunca mais ali entrou outra!
Este e outros incidentes devem ter estado na base da recolha aos casinos e da
exploração destas e de outras máquinas de jogos.
Só que em vez de moedas o que agora circula são chapas em
plástico, em nome da Salvação do Planeta!
Reis Caçote
Dig/04/02/14
A PLACA QUE ME ORIENTOU 2 SEMANAS
ESTA FOTO É PARA DESOPILAR! PORTUGUESIA A SÉRIO
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