sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Bruno Carvalho 2 h · Enquanto se desenrola uma dura batalha em torno de Izium

 

Enquanto se desenrola uma dura batalha em torno de Izium, com a chegada de reforços da Rússia, da Chechenia e das regiões de Donetsk e Lugansk para conter o avanço das tropas ucranianas, durante a noite atravessei o território para chegar a Saur-Moguila, onde as principais autoridades políticas e militares fizeram questão de inaugurar a restauração deste memorial às mulheres e homens do Exército Vermelho que caíram em combate nestas colinas na luta contra as forças nazis.
Em 2014, as tropas ucranianas usaram a artilharia pesada para destruir este memorial onde muitos separatistas morreram a defender esta posição militar. Este ponto estratégico, pela altitude, mudou de mãos oito vezes. A partir daqui, as forças pró-russas abateram dois caças ucranianos. Mas só agora, oito anos depois, se pôde inaugurar o memorial totalmente recuperado e agora com monumentos dedicados aos que lutaram do lado dos independentistas de Donetsk e Lugansk. Com segurança apertada e com a presença de forças especiais, dois soldados reacenderam a chama que vai arder em permanência. Decidiram marcar assim o Dia da Libertação do Donbass, como é conhecido o 8 de Setembro deste lado da linha de fogo.
Entre as figuras que morreram durante a guerra civil, recordou-se Givi, trabalhador de um supermercado que se juntou aos civis e militares do Donbass que se levantaram em armas em 2014 para tomar as instituições como resposta à mesma atitude dos manifestantes que derrubaram o presidente Viktor Yanukovich em Kiev. Com chinelos de praia e kalashnikovs, organizou uma milícia que ficou conhecida como Batalhão Somália porque se assemelhavam aos piratas que assediam navios no Golfo de Aden. Foi assassinado num atentado à bomba atribuído aos serviços secretos ucranianos em 2017. É, hoje, parece-me, o mais acarinhado dos históricos comandantes mortos: Zakharchenko, Mozgovoy e Motorola.
São muitas as figuras que povoam a história destas mulheres e homens que se levantaram em armas em 2014 para tomar as instituições como resposta à mesma atitude dos manifestantes que derrubaram o presidente Viktor Yanukovich em Kiev. Como já escrevi, o apoio da Rússia e dos Estados Unidos e União Europeia a cada um dos lados é uma evidência. Quem diz o contrário, mente. Não vale a pena sonharmos com unicórnios. Esta é uma guerra que vai muito para além do contexto ucraniano. A maior potência militar e a maior potência nuclear estão em confronto indirecto neste conflito. Esta guerra não se vai decidir em Kiev, Donetsk ou Lugansk. Vai decidir-se em Washington e em Moscovo.
Mas quando a população e alguns militares se sublevaram em várias cidades do Donbass em 2014, boa parte não tinha preparação militar. Muitos reuniram-se nas praças principais e foram-lhes distribuídas armas, dias depois de assaltarem as sedes de governo, da polícia e do exército. Foi um processo. Em Mariupol, parte da população pró-russa e da polícia que a eles se aliou foi duramente reprimida pelas forças ucranianas. Houve muitos mortos. A revolta espalhou-se pelo Donbass depois do massacre na Casa dos Sindicatos em Odessa quando quase meia centena de pró-russos foi assassinada por grupos pró-Maidan de extrema-direita. Mais tarde, a Rússia deu apoio militar de diferentes tipos para que estas forças não fossem esmagadas pela superioridade ucraniana. Segundo me contaram aqui, em Donetsk, havia sindicalistas, mineiros, veteranos da guerra do Afeganistão e soldados que abandonaram o exército ucraniano. Foram eles o grosso das mulheres e homens que decidiram sublevar-se militarmente.
Entre eles estava o antigo mineiro Alexander Zakharchenko, escolhido para liderar a auto-proclamada República Popular de Donetsk, assassinado num atentado atribuído aos serviços secretos ucranianos. Estava também Aleksey Mozgovoy, da região de Lugansk, que abandonou o trabalho como cozinheiro em São Petersburgo para combater. Acabou a liderar a Brigada Prizrak, milícia onde se juntaram centenas de comunistas e gente de vários países, incluindo da Ucrânia, que decidiu lutar pela independência de Lugansk e Donetsk. Foi o caso de Edy Ongaro, comunista italiano, que morreu no fim de Março quando se atirou sobre uma granada numa trincheira para salvar a vida dos seus camaradas. Foi também o caso de Alexis Castillo que tive a oportunidade de entrevistar várias vezes. Este hispano-colombiano, que adoptou o pseudónimo de Alfonso Cano, histórico comandante das FARC, combate neste momento as forças ucranianas. O comandante Mozgovoy foi morto numa emboscada em Alchevsk em 2015.
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