EM LOUVOR DO MÊS DE MARÇO E DA PRIMAVERA QUE
COMEÇARÁ BREVEMENTE… VIVA A PRIMAVERA…
O MEU NASCIMENTO MUITO SUI-GÉNERIS
Nasci na primavera… no antigo calendário de Numa Pompílio o ano começava em março, um tempo dedicado ao deus Marte, que é, literalmente, o que a palavra março quer dizer, era também quando começava o ano e março era o mês primordial. O ano começava, em termos de atividades públicas, com os treinos militares do exército de Pompílio… Por acaso… além de ter nascido em março, mês dedicado ao deus da guerra, também nasci numa terça-feira, dia da semana dedicado, também ao deus Marte… se eu fosse crente, da pseudo ciência da Astrologia, tinha aqui todos os ingridientes para aceitar o meu destino de militar, cuja minha carreira das armas não foi mais que uma alternativa, aproveitando a implementação das Tropas Pára-quedistas. para garantir uma profissão razoavelmente remunerada e aventurosa naquele tempo de pão escasso.
Se bem que eu seja um cidadão fadado para a carreira das armas, pela via do desenrascanço, numa fuga à fome endémica que, nos meus tempos de jovem, era uma virtude assegurada pelos governos da época salazarista… sou contudo, um cidadão de berço... talvez de um nascimento e BERÇO mais genuíno que imaginar se possa . A géneses do meu berço encontra-se nos sobreirais do meu Alto Alentejo... meu pai que, em termos militares e castrenses, foi um cavaleiro, assentou praça nos Dragões de Olivença, em Estremoz, foi, ali, primeiro cabo de cavalaria, ferrador e domador de cavalos... o Comandante, na época, dada a sua força e destreza quis aliciá-lo a ficar por lá com a promessa de lhe facilitar a ascensão ao posto de sargento já que os Dragões precisavam dele... mas, ele não aceitou... Preferiu ir fazer uma carreira de cortarrama e corticeiro nos azinhais e sobredos do Norte Alentejano, foi por essa razão que eu tive oportunidade de, com pouco mais de dois meses e sendo já o terceiro filho de meus pais, os ter acompanhado com uma malta de corticeiros de que meu pai era o capataz e ali ter tido como meu berço heráldico,
construído com metade de um cortiço tirado de uma pernada de uma velha sobreira dos montados da minha terra… sendo que, é esse o meu grande brasão que atesta a minha nobreza alentejana de que tenho muito orgulho… “sou homem dos extensos e austeros chaparrais”o meu pai teria tido muito orgulho que eu tivesse sido um cavaleiro… mas eu limitei-me a ir para as “Tropas Paraquedistas”para ser um simples cavaleiro do Ar… porque cada qual tem que caçar com o cão que pode…
Português alentejano
eu nasci de peito ao vento…
e lutei, ano após ano,
p’ra vencer o próprio tempo…
Eu nasci no mês de março
que é o mês do deus da guerra…
era um tempo de pão ‘scasso
p’rás gentes da minha terra…
Nasci com a primavera
ao ondular das searas…
a fome já estava à espera…
eu… enfrentei-a de caras…
Minha mãe ‘stava na onda
ao romper da madrugada…
nasci no tempo da monda,
fui parido de empreidada…
Minha mãe se levantou
logo às quatro da manhã…
no seu ventre me levou
quando foi p’ró seu afã…
Foi a lavar p’rá ribeira,
levando um cesto de roupa…
mas não levou a lancheira
porque a fartura era pouca…
Ao chegar se ajoelhou
sobre a pedra dura e fria…
seu gesto me despertou,
nasci ao romper do dia…
Pôs a mão no ventre e quis
ir p’ra casa da parteira…
foi assim que, por um triz
não nasci lá na ribeira…
Pelo programa devia
‘star na monda às sete em ponto…
Por minha causa teria
um salário de desconto…
A minha forma foi essa
do meu tempo de nascer…
nasci simples e depressa
não tinha tempo a perder…
Nasci de forma dif’rente
de nascer em qualquer parte…
mas nasci irreverente
sob os auspícios de Marte.
Matos Serra
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