POSTAL DO DIA
Cavaco é um ser pequenino
1.
Cavaco Silva voltou a aparecer.
Mais um livro, mais uma entrevista, mais uma aparição.
É como fazer-me regressar à Feira Popular da minha infância, a um comboio fantasma de que tinha pavor por no meu íntimo achar que poderia ficar preso para sempre num lugar com gente que me puxaria para baixo, que me esconderia da luz, que me assustaria de morte.
2.
Cavaco Silva representa uma parte da minha vida.
Uma parte da vida do país.
O homem que mais anos esteve no poder em democracia.
E o homem que ainda hoje, mesmo tendo em conta esse detalhe, continua a dizer que não é um político.
O homem que beneficiou de alguns privilégios conhecidos, mas que continua a pairar como se lhe devêssemos alguma coisa, como se lhe devêssemos ir comer à mão.
O homem que tem de si próprio uma imagem elevada. O mesmo que recusou o pedido de Salgueiro Maia quando este, numa carta ao então primeiro-ministro, lhe pediu uma humilde pensão. Na verdade, Cavaco nunca recusou pensão ao herói da liberdade, para ser verdadeiro nem sequer lhe respondeu como na altura referiu a mulher de Salgueiro Maia. A mesma pensão que deu a dois ex-inspetores da PIDE.
O homem que não fez nenhuma declaração aquando da morte de José Saramago, nem uma palavra. Uma vergonha, uma canalhice. Porque Cavaco era Presidente da República!
3.
Cavaco é um ser pequenino.
Uma pessoa pouco recomendável.
E quando regressa, com mais um livro ou uma entrevista, eu torno a entrar no comboio fantasma e a ver uma figura que corporiza o que mais detesto no ser humano.
Por isso, regressar para abençoar o acordo de Rui Rio com o Chega nos Açores é apenas mais do mesmo. É coerente e deixa sempre o sabor azedo de um outro tempo, o sabor fora de prazo de uma embalagem que nos recorda que há coisas que não podemos levar novamente à boca.
LO
(Fotografia Observador)
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