Já era espigadota quando me zanguei com o natal.
Tinha todos os motivos para me ter zangado antes, mas percebi que aquilo que eu achava pobre, era afinal o Natal mais rico do mundo.
Apesar dos 6 manos mais velhos, as minhas memórias incluem mais a minha irmã João, mais velha do que eu 5 anos. Íamos para o monte no dia 1 de Dezembro e o pinheiro verdadeiro era escolhido criteriosamente. Uma trazia a árvore e outra trazia o musgo. Tudo era montado no pátio, à entrada da porta de casa, porque a casa era pequena e nós queríamos que as pessoas da aldeia vissem a nossa obra de arte. Havia poucos adereços, mas o algodão podia ser neve e até as linhas dos novelos de costura da minha mãe eram arco-íris. Mais do que imaginação havia amor e sonhos.
Na consoada havia bacalhau e polvo. Havia cheiro a canela, culpa da minha mãe, que faz as melhores fritas de abóbora e rabanadas da história do Natal. O cardápio não era extenso, mas a mesa era farta. Os meus tios e primos iam beber um vinho do Porto e contar histórias ao borralho. Na verdade, eu só queria acordar dia 25 e ir aos saltos para a lareira, ver se tinha tido direito a prendas e comer uma frita de farinha com uma caneca de cevada.
Quanto às prendas, já a porca torce o rabo. Até aos 9 anos acreditava mesmo que me tinha portado mal e que o Pai Natal me havia castigado.
Aos 9 anos tive na lareira uma bicicleta verde, com um mega laço cor de rosa. Eu já não acreditava nele, mas não me desbronquei. Sabia que só tinha a perder.
Lembro-me de ir para a escola primária e mentir quando a professora nos perguntava o que tivemos de presente. Quando chegava a minha vez dizia que tinha recebido aquilo que eu realmente desejava. Ia lá eu ficar atrás de alguém!
À medida que as manas foram formando família, os natais eram ainda mais especiais. Havia uma espécie de ritual. Um ano na casa de um, no outro na casa do outro. Mas todos juntos. Havia sacos cama e colchões no chão. Lugar sempre para mais um.
Mas foi faltando um, mais um. Percebi que trocava todas as prendas do mundo, pelos lugares que ficaram vazios. A mesa farta de hoje é pobre.
Só queria o meu velho a fazer-me o molho de azeite, vinagre de vinho tinto e alho, para eu comer a minha tronchuda, que eu tanto detestava na altura.
Vou fingindo que gosto muito do Natal e há momentos que sim. Quando os meus filhos olham para as luzes e iluminam, ainda mais, aqueles olhos gigantes que têm.
Há uns anos, tive a ideia de juntar comida, roupas e cobertores para entregar aos sem abrigo no Porto, no Natal. Os meus amigos juntaram-se a esta loucura comigo. Foi o mais perto que me senti do Natal.
Eu não quero o impossível. Sei que há abraços que não tenho mais, mas sei que há abraços que cabe a mim nunca deixar de dar.
Eu sempre sonhei com as estrelas e por isso tenho consciência que o teto só atrapalha 
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Sejam Natal. 
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