A CIDADE QUE ME ACOLHEU E ME ENSINOU UMA BOA PARTE DO POUCO QUE SEI - LISBOA - FUI TENTAR PERCEBER QUAL ERA A AMBIÊNCIA NOTURNA, NOS BAIRROS MAIS CONHECIDOS, MALREGRESSEI DE ANGOLA.
DESDE 1962, JANEIRO QUE, POR DECRETO, SALAZAR ACABOU COM A PROFISSÃO DE "PROSTITUTA" , DAÍ A MINHA CURIOSIDADE! COMO SERIA O BAIRRO ALTO SEM AS PROFISSIONAIS ENCARTADAS?
EXCEPTO O ENCONTRO COM O AMIGO E O DIÁLOGO ENTRE ELE E O AUTOR, TUDO O RESTO É NARRATIVA!
“ATÉ
CHULO JÁ FUI”
Encontrámo-nos
quase vinte anos passados sobre o regresso de Angola! Acidentalmente! Um pouco
como tínhamos decidido fazer durante aquele período de vinte e sete meses ali
passado, iríamos encontrar-nos, ou não, um dia, fortuitamente como nos tínhamos
encontrado antes de para lá partirmos, em final de Junho de 1961.
Durante
aqueles vinte e sete meses, eu estive sempre em Luanda e ele apenas de lá saiu
duas vezes e por pouco tempo: em Setembro, dois meses após a chegada, foi
chamado a integrar, em destacamento, por doença de um camarada daquela unidade,
a bateria de artilharia 147, onde permaneceu vinte e seis dias, participando
naquela que então fora designada como a operação “Esmeralda”, a da ocupação da
Pedra Verde; a segunda saída foi a um de Dezembro do mesmo ano, por uma noite,
para fazer o reabastecimento de munições de artilharia do Grafanil, Luanda para
o Úcua, onde estivera já em Setembro.
Todo
o restante tempo, Luanda foi um pouco de tudo para nós, bom e menos bom, tudo
teve a ver com Luanda.
As
datas antes referidas foram por ele fixadas durante o nosso acidental encontro
em Lisboa, numa das mostras de material de campismo, na FIL.
Ele,
como visitante pouco ou nada interessado, eu por dever profissional, que passei
a ter cerca de dois anos depois do regresso de Angola e após dois empregos
falhados: a importação e comercialização de material de campismo, à sociedade
com um dos comuns amigos de Luanda, como eu residente, antes da ida e depois do
regresso, no bairro do Restelo, em Lisboa.
Aproveitámos
o tempo de que dispusemos a relembrar algumas das mais interessantes situações
ocorridas naquela época e do que se passou após o regresso a Portugal.
Apenas
um pormenor que me parece de interesse para melhor enquadramento: ele regressou
em Outubro com o grosso do Pelotão de Comando e Serviços e as três baterias;
eu, com o tenente e tesoureiro e o alferes e o furriel da contabilidade,
ficámos cerca de dois meses mais: os da contabilidade para encerrarem as contas
e nós, os da tesouraria, para fazermos a transferência dos materiais e
equipamentos e encerrar as contas também.
Ele
quis saber se eu não tinha pensado ficar em Luanda, uma vez que o namoro
parecia estar a correr bem e empregos não faltavam. Sem grandes pormenores
respondi que estive indeciso, tanto mais que no “Puto” (era assim designado,
correntemente, Portugal) não tinha nada em vista, embora soubesse que era o que
cá não faltava era oferta de trabalho, devido às diversas guerras em curso,
envolvendo mais de duas centenas de milhares de jovens e a hemorragia maior, a
emigração, estava a provocar o esvaziamento. De qualquer modo sempre teria que
vir, pelo menos para estar algum tempo com a família. Vim e fiquei, em parte
influenciado pelos meus pais.
Os
dois empregos ensaiados, ambos em escritórios de empresas de contabilidade,
duraram pouco, por falta de gosto pelo trabalho e de incentivos também.
A
saída, que ainda hoje se mantém, foi a do comércio. Sem dar para fazer fortuna,
vai proporcionando alguma estabilidade financeira e permitindo que à família
não faltem os meios indispensáveis e algum desafogo!
E
já que abordo a questão da família, casei logo que me estabeleci, a mulher é
professora e temos dois filhos, um casal, já crescidotes.
E
tu, como tem sido a tua vida? Que não voltaste a Luanda, pelo menos nos dois
meses seguintes, como pensavas, já eu sei!
-
E não voltei mais, embora o tenha tentado logo a seguir ao 25 de Abril, mas não
se concretizou.
Casaste?
-
Sim, casei, logo dois meses depois de ter chegado, tenho dois filhos, também um
casal; trabalhei os primeiros seis anos no Tribunal Judicial de Leiria, ligado
ao Ministério Público e depois numa empresa de plásticos, onde ainda estou,
tendo feito uma ponte de dez meses para uma incursão pela radiologia,
experiência sem marcos de referência!
O
costume, continuas a ser o baterista da vida!
-
É verdade, só assim me sinto bem! As coisas cansam-me a partir do momento em
que as aprendo e entram na rotina; em vez de tirar partido do já sabido tento
logo saltar para nova experiência! Só me seduzem enquanto em “construção” ou
possibilidade de as alterar.
-
No meio desta confusão toda e a título de brincadeira, até “chulo” já fui, ou
por isso passei, durante dois minutos!
Essa
não, não acredito…! Conta lá essa cena, porque deve valer a pena!
-
Bem, eu disse a título de brincadeira!
Conta,
conta, porra, que isto são só novidades! Só mesmo tu!
-
Então foi assim: como sabes o governo de então, logo a seguir à nossa chegada a
Angola, acabou coma profissão de prostituta, considerando a prática condenável
e ilegal, aquilo que era uma profissão legal e com carteira profissional!
Sim,
recordo-me, deve ter sido em 1962 se bem me lembro!
-
Eu, como deves recordar, vivi em Lisboa dos treze aos vinte e um anos; conheci
relativamente bem a cidade, não tão bem o bairro onde tu moravas, o do Restelo,
embora tivesse, durante alguns meses, contactos quase diários com a parte
norte, a das vivendas, onde trabalhou uma das primeiras namoradas.
-
Mas os bairros típicos, especialmente o Bairro Alto, conhecia-o bem, pelos
motivos que deves calcular e onde o fado se cantava em vários locais que eu
frequentava.
-
Como te cheguei a contar e te apercebeste disso em Luanda, sempre tive
curiosidade de ver como mudavam os locais onde iria circular! Só mesmo
curiosidade, não por outro motivo.
-
Quando um dia à noite, passava numa das ruas do dito bairro, sou abordado por
uma mulher que logo me pareceu, pelo seu comportamento, estar a exercer a
profissão na clandestinidade e que, como início de conversa, me perguntou se
andava à procura de companhia, ao que respondi: nem por isso! Mas logo
adiantou, como que a tranquilizar-me e não perder a oportunidade e que depois
percebi; “olhe, faça-me um favorzinho, aquele tipo lá adiante quer que eu durma
com ele esta noite e eu para fazer render o peixe disse-lhe que tinha de
perguntar ao meu homem! Como não tenho homem nenhum, assim que o vi ocorreu-me
que poderia servir para os fins em vista e disse-lhe que o meu homem era você,
sem outra intenção que não seja para fixar o preço que vou cobrar!
-
Só a muito custo contive uma gargalhada pelo insólito do que me sucedia, mas lá
consegui aguentar e não estragar o negócio iniciado pela rapariga! Mas ri
baixinho, enquanto ela avançava em direcção ao cliente que a esperava uns
cinquenta metros mais adiante! Continuei a rir baixinho e mentalmente lhe
desejei uma boa noite, sem incidentes! Fiquei espantado pela capacidade
inventiva destas pessoas para o dezenrascanso e de certo modo invejei-os!
-
E assim fui, durante cerca de dois ou três minutos, para o manfio que a
aguardava, o chulo da sua companhia daquela noite!
Não
mudas, pelos vistos! És como o para-raios, atrais as coisas mais brilhantes,
mas também as mais bizarras!
-
E para que mudar, não achas? Para me transformar num chato?! Prefiro continuar
assim!
Temos
que voltar a encontrar-nos em breve e com tempo para nova conversa, se possível
mais longa e em local mais tranquilo do que esta feira de loucos!
-
Farei o possível, mas sabes que não me comprometo!
Sei,
nunca o esqueci! Até um dia!
-
Bons negócios!
Boa
viagem, amigo!
Reis
Caçote
1998/2012
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