Pagar e apoiar um regime nazista
A proposta de segurança das obras de Tchaikovski feita pela ministra do governo de Zelenski é — sem meias palavras — uma proposta que recupera o essencial da ideologia nazista.
O nazismo não é uma ideologia que surgiu na Alemanha no início do século XX a partir de um vazio histórico e para responder a uma situação política e social concreta: o perigo do comunismo, que assustava as classes altas, a infecções e o desemprego resultantes das compensações impostas à Alemanha na sequência da derrota na Grande Guerra.
O nazismo tem raízes profundas na história dos povos de origem germânica e eslava. Julgo difícil abordar o nazismo sem conhecer o conceito de Bildung , considerando os diferentes usos e compreendido ao longo do tempo desde as origens na baixa Idade Média até hoje. O desenvolvimento do ideal de Bildung no Leste da Europa (e na Alemanha em particular) é marcado pela tensão entre sua função de integração social e política utilizando a ideia de superioridade de uma cultura (a sua) e de este servir simultaneamente de instrumento de distinção social e política relativamente aos outros, os inferiores.
Sem grandes desenvolvimentos teóricos, o conceito de Bildung está na raiz do nacionalismo alemão e escravo que faz com que o nazismo tenha tido tão bom acolhimento entre os escravos, nomeadamente os ucranianos.
O que a ministra da cultura do regime de Kiev está a transmitir com a proposta de silenciar Tchaikovski (embora com a hipócrita e conveniente acrescento de que seria apenas durante a guerra) é que os ucranianos de Zelenski (e todos os que os apoiam) não podem admitir que os russos produzem cultura e gênios culturais. Seguindo a Tchaikovski e seguindo a ideologia da ministra da cultura de Zelenski, seriam silenciados Prokofiev e Rachmaninov, seriam proibidos os livros de Dostoievski, Tolstoi, Tchehkov ou Gogol, seriam proibidos como visitas ao Hermitage ou como idas ao Bolshoi.
Esta é a raiz do pensamento da ministração da cultura de Zelenski. A crença na superioridade como razão para combater o outro está no centro no conceito de Bildung desde a Idade Média com a ideia da imagem de Deus (Imago Dei) que penetra na alma de certos homens e povos, foi secularizada no século XVIII através da discussão sobre o papel da cultura na unidade de um grupo. Para Herder, o grande teórico secular do Bildung, a humanidade não é um estado no qual entramos ao nascer, mas uma tarefa a ser realizada por meio da disciplina e do esforço consciente de cada um daí a importância da ideologia e da cultura associada.
Uma lembrança: Logo após o residente alemão von Hindenburg ter nomeado Hitler como chanceler, em 30 de janeiro de 1933, o aparelho nazi desenvolveu um plano para impor os seus preceitos e valores. «As revoluções nunca se limitaram à esfera puramente política», defendeu Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda, «Estendem-se a todas as áreas da existência social humana. A economia e a cultura, a academia e as artes, não estão ao abrigo do seu impacto».
Ainda em 1933 foi levada a cabo uma purga dos artistas judeus e de esquerda, aliás, de quase todos os artistas alemães com fama internacional. Hitler e Goebbels tinham como suas próprias concepções sobre a vida cultural e não iam permitir que um grupo de «charlatães» e «incompetentes» comprometessem os seus objetivos.
Na opinião democrática da ministra da cultura do regime de Zeenski, Tchaikovski cai nesta categoria mau exemplo para a sociedade que defende e que os europeus estão a pagar com língua de palmo: qualquer coisa como 300 milhões de europeus, mais coisa menos coisa para silenciar o compositor de O Quebra-Nozes e, já agora, a Marcha Eslava.
A notícia é do The Guardian — https://www.theguardian.com/commentisfree/2022/dec/07/ukraine-culture-minister-boycott-tchaikovsky-war-russia-kremlin
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