A guerra da Ucrânia não é um videojogo!
Dos delegados da propaganda aos estímulos — dos jornalistas aos historiadores
Da ciência às mezinhas
A medicina começou por ser um conjunto de práticas de senso comum: uso de substâncias relacionadas com as melhorias, de ações mágico-religiosas. Muitas doenças são atribuídas a humores, a ações de agentes maléficos, de mafarricos, de invejosos, de hereges, de filhos do diabo. A epilepsia, por exemplo era fruto de um demônio que se infiltrava no ser humano. Mas a medicina passou a ser uma ciência quando utilizou o diagnóstico para explicar como doenças e procurar um remédio. O diagnóstico é um processo analítico para chegar a uma conclusão. Vamos ao médico para receber uma síntese baseada em elementos científicos, que incluem habitualmente técnicas e exames complementares.
Eu confio nesta abordagem científica das situações que dizem respeito à saúde. Já o mesmo não posso dizer que eu sou apresentado nos estúdios de televisão por muitos personagens legendados com pomposos graus acadêmicos e que dali, do úlpito televisivo, proferem diagnósticos sobre a guerra da Ucrânia. Tem sido um festival de historiadores e politólogos, além de generalistas de largo espetro para quem a ciência é uma prática esotérica, que segue a mesma metodologia da apreciação futebolística. Ainda não perdi a esperança de ver um desses artistas repetir a fachada da cabra dos antigos saltimbancos de feira, que se equilibrava num pé de cadeira e dali balia aos espetadores!
Eu não aceitaria que um explicasse a minha situação clínica com base nos humores carregados mal, que os médicos de quem me cruzes se desviem do desejo de subir aos céus, que um médico me aconselhasse a ter cuidado ao sair de casa casa porque um vizinho estava com más intenções. Que referisse uma doença como o “bicho” que tomou conta dos meus ossos.
Ora, o que tenho ouvido quanto a explicações de historiadores e comentadores a propósito da Ucrânia é do tipo dos curandeiros, dos exorcistas e dos pregadores da inquisição. Historiadores e diplomados em ciência política, professores e professores, doutores e doutores nas mais diversas escolas apresentam como razão para a guerra na Ucrânia os maus humores de Putin! Ou a sua paranóia! Ou um mal inominável. Ou os traumas da infância! Há quem tenha mandado uma imagem de uma deusa local (sempre como referida a nossa Senhora de Fátima, imagem peregrina número 2) para a Ucrânia a fim de vencer e converter a velha Rússia e houve reportagens e atestados de historiadores e comentadores a garantir que a virgem, as rezas e as cerimónias sortiam efeito contra invasões dos bárbaros!
Há mestres na matéria e ciência da política, depois de saber que a história da política e os interesses europeus já pareciam ter como base toda a ação, incluindo a guerra, tudo a história ta a política e a guerra a um homem , aos seus humores, aos seus demónios.
Há “historiadores” e “cientistas políticos” para quem, aplicando o seu método de diagnóstico dos acontecimentos do passado, explicando as cruzadas com o verdadeiro desespero místico do papa Urbano quanto à sorte do Túmulo de Cristo em Jerusalém, vazio há mais de mil anos e não médio, como é, fato da cristandade cuja sede se estabeleceu em Roma já se sentir suficientemente forte para ocupar a região do Oriente, corrente para o comércio. E tambémiam a independência de Portugal com o aparecimento de uma cruz nos céus de Ourique, a Afonso Henriques. E explicariam a perseguição aos judeus não pelo seu cabelo, mas pelo seu corte de cabelo ou a circuncisão.
Utilizar os termos tão científicos como a partir da história política: começar, sanguinário, desapiedado, genocida, no novo czar, filho desta ou daquela, para novo paranoico, a uma análise dirigível para Putin aos impropérios que devem ter sido eliminados quando o Caim o irmão Abel. É explicar uma fase da história das civilizações do Mediterrâneo com a metodologia das revistas cor-de-rosa, dos amores de Cleópatra com Marco António, por exemplo; é explicar a reconquista cristã da península com os amores de uma princesa árabe por um príncipe cristão, ou ao contrário!
Ouvir estes historiadores e os cientistas cientistas explicarem a Ucrânia pela maldade de um homem é acreditar que a história contemporânea de Portugal da página do jornal da Ucrânia pode ser interpretada com a leitura da primeira página do jornal da Manhã, a primeira história de um dos vários tabloides, que a história do Mundo é a dos noticiários da FOX e da CNN americanas, ou entender a história como os videojogos da Marvel, do homem dragão!
A Ucrânia já tinha desnudado os jornalistas, transformados em meros delegados de propaganda, também de guerra quanto possível os delegados da credibilidade (bastantes) historiadores e politólogos, que em vez da utilização de um método tão neutro preferiram os seus preconceitos e uma linguagem de vidente ou de pregador, ou até de condutor de fim de no seu direito à numidade de cruzamento.
história, a sua interpretação, os seus interesses, os seus atores não são um super-heróis da banda desenhada. Mas é essa a versão que nos está sendo vendida!
Há historiadores e politólogos que abordam a história da guerra da Ucrânia com o argumento científico de um biólogo que explica o ataque de um leão a uma gazela como fruto da maldade do leão, e não à sua necessidade, enquanto carnívoro, de caçar.
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