Pátria e a vida em Cuba
Se hoje tivesse que falar para a minha filha cubana e para os meus netos que vivem em Havana, dir-lhes-ia que já houve um tempo em que “Pátria ou Morte, Venceremos!” era o slogan que unia todos os cubanos contra qualquer tipo de ameaça, era a reivindicação da defesa absoluta dos princípios e da ideologia comunista.
E se vos conto isso agora, leitores do Jornal de Angola, é porque, desde domingo à tarde, a notícia e as imagens circulam nas redes sociais e até hoje toda a imprensa internacional já fez eco das mesmas: apesar de dedicarem esforço e recursos para fabricar vacinas anti-coronavírus, na sequência do colapso do sistema de saúde e o registo de números elevados de infectados pela Covid-19 no país, centenas de moradores do município de "San António de los Baños”, situado no sudoeste da cidade, saíram às ruas para se manifestarem pacificamente contra o Governo, face à crise alimentar, a falta de medicamentos e a transparência informativa. Inicialmente, a polícia nem apareceu ali, onde os cidadãos caminhavam a gritar lemas e consignas.
Como afirma Ernesto Menendez-Conde, no seu muro do Facebook, estes protestos "... não têm precedentes na História de Cuba: nem sob as ditaduras de Machado, nem na de Baptista houve manifestações de tal magnitude e, ao mesmo tempo, em todo o país”. O mais parecido a elas foram, certamente, o "Êxodo de Camarioca” (1965), o "Êxodo de Mariel” (1980) e o "Maleconazo” (1994), cada um deles em épocas e por razões muito específicas, sendo que, nos êxodos, todos os cubanos que não concordavam com o rumo que a Revolução tinha tomado saíram do país.
No domingo, depois das centenas de cidadãos de "San António de los Baños”, milhares de cubanos de ao menos quinze localidades do país, de Havana a Guantánamo, passando por Matanzas, Holguín, Ciego de Ávila, entre outras, saíram às ruas para manifestar-se aos gritos de "Abaixo o Comunismo”, "Abaixo a Ditadura” e, sobretudo, "Pátria e Vida”.
A tensão social aumentou imediatamente, mas, desta vez, não se trata de sair de Cuba para qualquer outro lugar: são necessárias mudanças estruturais e de princípios muito profundas, no próprio interior do sistema político imperante, que permita ir resolvendo os problemas sociais e económicos dos cidadãos, obter maior prosperidade, pacificar a relação com as diásporas cubanas que existem no mundo inteiro e integrar a economia cubana na economia internacional.
Quando, ainda no domingo passado, em Luanda, eram 21h00, a reacção chegou às diásporas cubanas, que, nas mais diversas cidades do mundo, de Madrid a Rochester, passando por Miami, faziam eco do clamor popular: na Ilha, viam-se cenas de violência, como assalto de lojas de produtos que só se podem comprar com dólares americanos, alguns carros da polícia a serem apedrejados ou até o carro do primeiro secretário do Partido Comunista de uma localidade que foi posto de "patas para o ar”.
Enquanto isso, como o fizera Fidel Castro, por altura do "Maleconazo”, em 1994, o Presidente Miguel Mario Diaz-Canel Bermúdez também foi, domingo, às ruas de "San António de los Baños”: quando saiu das ruas, Diaz-Canel utilizou a sua conta no Twitter para deixar mensagens e foi ao canal de televisão "Cubavisión” fazer uma alocução, onde, basicamente, terminou dizendo que compete aos revolucionários cubanos cuidar da revolução e que a "ordem de combate” estava dada, desencadeando, então, de modo contundente, pela primeira vez e com o pior cenário político, social e económico possível, um combate de cubanos contra cubanos, em Cuba.
É bem verdade que, praticamente, desde os três primeiros anos do triunfo da Revolução, em 1959, os Estados Unidos da América impuseram a Cuba um "embargo comercial, económico e financeiro”, cujas consequências se reflectem até agora. Porém, não podemos perder de vista que, desde a queda do Muro de Berlim (1989) até agora, as sucessivas leituras e os posicionamentos da elite política cubana em nada favorecem o desenvolvimento socioeconómico e o bem-estar dos cidadãos cubanos, uma vez que continua presa na utopia comunista e está contra a instalação do pluripartidarismo, contra uma liberdade de expressão mais ampla e, por conseguinte, tem-se mostrado incapaz de promover uma verdadeira abertura democrática no país.
Defendo as mudanças pacíficas em Cuba, decididas pelos próprios cubanos, que vivem dentro e fora de Cuba: a decisão deve ser dos cidadãos cubanos. A minha filha e os meus netos devem saber que, em Cuba, em Angola ou em qualquer parte do mundo, eu escolherei sempre a pátria e a vida.
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