Até onde vai o plano de Vladimir Putin?
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Ninguém sabe ao certo o que pretende Vladimir Putin com esta invasão da Ucrânia. A dúvida permanece desde que a primeira bota russa avançou para território controlado pelo governo ucraniano. Percebeu-se rapidamente que o objetivo não é ocupar toda a Ucrânia, porque o território é imenso, porque são mais de 40 milhões de pessoas e porque exigiria uma presença militar que a Federação Russa dificilmente poderia manter de forma eficaz. Ao desistir de conquistar Kiev – por inépcia ou devido à resistência forte e inesperada dos ucranianos – ficou também claro que Kiev, a ser tomada, seria apenas uma carta para utilização posterior à mesa das negociações. Não sendo vital, Vladimir Putin corrigiu a estratégia, retirou tropas dos arredores de Kiev e da região junto à fronteira com a Bielorrússia e concentrou o esforço militar na região do Donbass.
Aqui chegados, surge uma outra dúvida: para além da região do Donbass – até 24 de Fevereiro controlada apenas parcialmente via Repúblicas separatistas – até onde quererá Vladimir Putin estender essa fronteira? Mais para oeste (Dnipro, Kramatorsk, Poltava, Zaporíjia… até onde?) e, eventualmente, ocupando toda a costa do Mar Negro, de Mariupol a Kherson e Odessa, e às fronteiras com a Moldávia e a Roménia?
Existem teorias para todos os gostos quanto à ambição territorial na origem desta guerra e quanto ao que será eventualmente aceitável para a Ucrânia e aliados ocidentais. Da Ucrânia, sabemos que a posição oficial é a de não ceder nem um metro quadrado de território, e não poderia ser de outra forma. Mas também sabemos que isso não será possível. Aliás, Volodymyr Zelensky já deu a entender que até estaria disposto a negociar o Donbass – na Crimeia já nem se fala – se tivesse garantias de que a ambição de Vladimir Putin ficaria saciada.
Leste e Sul da Ucrânia
Na grande ofensiva russa para controlar o Donbass, no leste da Ucrânia, inclui-se o ataque a posições de rectaguarda das forças ucranianas na região oeste da Ucrânia. Muitas infraestruturas têm sido atacadas e destruídas: depósitos de armas, refinarias, depósitos de combustível e rede eléctrica. Para além de obrigar os ucranianos a desdobrar esforço e atenção nas zonas mais afastadas da linha da frente, os ataques no oeste ucraniano fragilizam a logística e as redes de abastecimento sendo uma forma de enfraquecer a resposta militar ucraniana.
O aeroporto de Odessa foi agora também atacado e ficou inoperacional. No sul da Ucrânia, entre a Crimeia e Odessa, está a única saída para o Mar Negro ainda na posse do governo de Kiev. Para ocupar esta região, sendo impossível um ataque através do Mar Negro – devido às minas – as forças russas terão de passar por Mykolaiv de modo a terem acesso à única ponte que permite o acesso terrestre ao sudoeste da Ucrânia. São pouco mais de uma centena de quilómetros de Mykolaiv até Odessa, uma longa estrada que os ucranianos já fortificaram para resistir a um eventual avanço russo.
Paradoxo
O que é paradoxal se Vladimir Putin quiser mesmo tornar a Ucrânia um Estado encravado sem acesso ao Mar é que será a Federação Russa a fazer precisamente aquilo de que acusava a NATO. Isto é, era a NATO que se queria expandir para a fronteira da Federação Russa, mas a confirmar-se que Moscovo quer toda a costa do Mar Negro será a Federação Russa a aproximar-se da Roménia, um país da NATO. Aproximar-se-á também da Transnístria, território separatista pró-russo da Moldávia.
Geopolítica
Tudo isto poderá parecer absurdo, mas o que está em jogo nesta guerra não é a desnazificação nem a desmilitarização da Ucrânia ou a protecção da população de origem russa. Esses são apenas argumentos úteis a Moscovo para justificar a invasão da Ucrânia. Num momento de mudança da Ordem Internacional cada potência procura mais peso e mais poder. A Federação Russa, se ficar na posse de toda a margem norte do Mar Negro e com o controlo absoluto do Mar de Azov, será sem dúvida um actor internacional com outro peso.
Quanto à Ucrânia, invadida, a ser destruída e com uma longa lista de mortos, poderá até parecer uma referência cínica, mas está a sofrer o “azar da geografia”. Por muito que queiramos que a soberania e a independência permitam a cada povo e a cada Estado determinar o seu próprio futuro, há realidades que ultrapassam esse princípio com o qual todos concordamos. A Ucrânia e o povo ucraniano estão a ser vítimas da ambição da Federação Russa e também de uma recomposição dos reequilíbrios internacionais. Não é raro que os grandes jogos geopolíticos apresentem uma factura a quem nada tem a ver com esses jogos de poder. O Mundo unipolar, dominado pelos Estados Unidos, terminou. Os Estados Unidos são, por agora, a única superpotência, mas não tarda que venham a ter companhia (China) nessa capacidade de exercer poder e influência à escala global. Outros actores, caso da Rússia, com capacidades mais reduzidas, não desistem de chegar onde podem e, para quem esteve atento, nos últimos dias, bastaria registar os muitos encontros entre governantes russos e africanos.
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