segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Texto partilhado por José António Saraiva, abordando o agora falecido, Virgilio de Lemos, comunista de Bragança...

 

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O LEMOS É UM CASO À PARTE,
... ele veio de longe, de muito longe!
Aderiu ao Partido no ano de 1935, era um jovem de 16 anos.
Na sua Bragança natal, por onde “Cristo não sujou as botas” e enquanto o fascismo se instalava de “armas e bagagens”, por todo o país durante meio século, o jovem Virgílio de Lemos reunia com outros 4 jovens brigantinos, no Campo do Trinta, arrabalde da capital do Nordeste Transmontano, espaço que hoje é parte integrante da Urbe.
O Lemos e os outros jovens criaram a Juventude Escolar Revolucionária (JER), creio que em 1935.
Reunia com estes jovens um funcionário do Partido que se deslocava do Porto para se encontrar clandestinamente com eles e desenvolver trabalho político, como provam os comunicados que a célula distribui-a e que o Lemos guardou “religiosamente” no seu espólio.
Na altura, não eram os únicos comunistas de Bragança, já que outros, entre eles Eduardo Carvalho, também o eram, embora ligeiramente mais velhos. O Dr. Eduardo Carvalho, professor de história e figura de referência da cultura regional, por vicissitudes da vida, abandonou o ideal comunista e quando se deu o 25 de Abril aderiu ao PS, onde militou até morrer.
O grande sonho do Lemos era ser aviador, pertencer à Força Aérea, o que veio a acontecer. Foi Cabo especialista da FA. Embora ficando muito pouco tempo ao serviço desta arma, já que foi expulso por razões políticas. Mesmo assim, no pouco tempo em que esteve na Força Aérea ainda teve tempo de ter um grave acidente, a que sobreviveu, felizmente, do qual guardava parte da hélice da aeronave.
Nos últimos anos de vida, porque era o membro mais velho vivo da Força Aérea Portuguesa e enquanto pode, participou em inúmeros convívios da arma por todo o país, sendo muito estimado e respeitado por todos os seus companheiros militares, incluindo as altas chefias.
Excelente caçador tinha por companhia, entre outros, o seu grande amigo e camarada Miranda Braga, chegando a caçar com Miguel Torga, ali para os lados da lombada. De Torga e do seu convívio contava alguns episódios bem interessantes, não escondendo a sua admiração pelo médico e grande escritor transmontano.
O Lemos escreveu alguns livros de contos, crónicas e novelas (RETALHOS (contos e crónicas) 1973; O QUE FICA NA MEMÓRIA (crónicas) 1982; NA TONGA (novela) 1987; HISTÓRIAS DO MEU BORNAL 1990; ROTA DO NEVOEIRO (novela) 1993; ...), publicados artesanalmente em edições de autor, que ía distribuindo pelos amigos. Esse acervo literário foi por mim, com a sua presença, entregue ao Arquivo Distrital de Bragança, na pessoa da sua Directora, a Drª Ana Afonso, sobrinha do Cónego Belarmino Afonso, este figura cultural regional de relevo na área da etnografia e da etnologia, com quem tive o privilégio de privar.
Com a saída por razões políticas da Força Aérea, o jovem Lemos conseguiu concorrer e entrar para a Junta Autónoma das Estradas como
agrimensor/topografo, onde voltou a ter a vida dificultada, pelas mesmas razões: políticas. O fascismo estava pujante e não permitia que os seus adversários políticos tivessem os mesmos direitos que os seus apaniguados.
Na eminência de voltar a ser expulso das suas novas funções profissionais e aconselhado pelo seu Eng.º Chefe, João José Rodrigues, um homem do regime mas bom e compreensivo para com o Lemos, foi aconselhado a ir para África.
Em Angola, trabalhou por 20 anos, na construção e reparação das linhas de caminho de ferro. Nesse 20 anos, a maior parte do tempo passou-o no mato, em tendas de campanha, por onde passava a linha do comboio, enquanto sua família, esposa e filhos, ficava pela cidade.
Nesses vinte anos de África manteve contacto por carta, mais ou menos regular, com Virginia Moura, Lobão Vital e Rui Luís Gomes, anti-fascistas e democratas do Porto e pelo seu intermédios com o Partido.
Regressou a Portugal, à sua Bragança, logo após o 25 de Abril, com a esposa e os 3 filhos: a São, a Tiza e o Mário.
Ao contrário de uma boa parte dos portugueses regressados de África, “os retornados”, o Lemos não engrossou as fileiras da reacção contra o 25 de Abril. Como comunista ingressou novamente na militância activa e empenhada do seu Partido de sempre, o PCP.
A sua casa foi apoio em dormidas e alimentação a muitos camaradas e, depois do assalto e incêndio ao Centro de Trabalho do PCP de Bragança pelas forças reaccionárias da direita, foi em sua casa e do camarada Amaro Luís, no Bairro da Coxa, que o Partido reuniu enquanto não voltou a ter um novo Centro de Trabalho.
Foi membro da Comissão Concelhia de Bragança do PCP por muito anos, praticamente até que as forças físicas o permitiram.
Como dirigente político assumiu as mais variadas responsabilidades na organização concelhia de Bragança e, foi candidato em inúmeros actos eleitorais pela FEPU, APU e CDU.
Foi um divulgador incansável do Jornal “Avante!”. Com quase com 90 anos ainda distribuía uma dezena de jornais do "Avante!" pela cidade de Bragança. Nos anos 80 ganhou uma viajem à União Soviética, por ser um dos principais vendedores, a nível nacional, da Revista “Vida Soviética”.
O Lemos, em Bragança, foi sempre uma figura considerada e respeitada por todos os quadrantes políticos e ideológicos.
Tinha muitos amigos e camaradas que gostavam muito dele, nos quais me incluo. Refiro-me, por exemplo a: Maria do Loreto, Lídio Correia, João de Fontes, Zé Castro, Alexandre Rodrigues, Agostinho Lopes, Antónia Torres, Maria do Souto, João Brinquete, Manuel João Araújo, Vitor Bravo, Fernando Prudêncio, Miguel Bento, Irina, Francisco Madruga, entre muitos outros.
Os jovens ficavam fascinados pela sua atraente personalidade, com o desassombro, franqueza e alegria com que se afirmava comunista e militante do PCP.
Pela vida fora tenho conhecido muitos homens e mulheres respeitadores do «Outro», mas como o Virgílio Lemos não conheci ninguém.
Aprendi muito com o camarada Lemos, nas duas décadas que tivemos de convivência e militância comum.
O Lemos morreu ontem com a linda idade de 98 anos. Partiu precisamente no dia em que a Revolução de Outubro fez 100 anos.
Por isso ontem, no Comício da Comemoração do Centenário da Revolução de Outubro, que o PCP realizou no Coliseu dos Recreios em Lisboa: levantei bem alto a bandeira vermelha, com a foice e o martelo, também por ele.
ATÉ SEMPRE CAMARADA LEMOS!
NÓS POR CÁ, VAMOS CONTINUAR A NOSSA LUTA!
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