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POSTAL DO DIA
O Partido Comunista não irá morrer
(uma carta aos meus amigos comunistas)
1.
Muitos conhecem-me, quase todos sabem quem sou. Não por mim ou pelo que faço, mas por ser filho do Zé Manel, comunista sem dúvidas ou inquietações ideológicas. Quando morreu, cremado no Alto de São João, o Ruben de Carvalho disse umas palavras e o caixão foi até ao derradeiro momento vestido com a foice e o martelo.
2.
Alguns de vós sabem que não sou comunista ou revolucionário. Não tive essa sorte, como a avó Alice adorava afirmar. A sorte de defender um modelo de vida, uma visão do mundo alternativa, a coragem de abdicar de tudo em nome dessa ideia e de pagar os preços que fossem necessários. Sou demasiado burguês, acredito num modelo burguês, numa democracia liberal, sou mais Kerensky do que Lenine, mais Soares do que Cunhal. Ninguém é perfeito.
3.
Mas não gosto que ataquem o PCP, não gosto de ouvir cangalheiros a profetizar que o PCP vai morrer, que tem os dias contados, que agora é sempre a cair. Quando era miúdo cresci nessa lengalenga, era uma questão de tempo assistirmos de cadeirinha ao estertor comunista em Portugal.
O interesse que existe na morte do PCP diz muito da nossa democracia e dos nossos comentadores. Habituados a uma forma de fazer política, a um modo de ouvir, a exercícios retóricos e jogos palacianos, não conseguem perceber que exista um partido com pessoas diferentes, gente que nasceu com cicatrizes do fascismo, gente que foi torturada, filhos e netos de gente que foi massacrada, pessoas que comeram o que o diabo amassou por nunca terem renegado que eram comunistas.
4.
Vemos Jerónimo de Sousa e os seus camaradas em Belém e não parecem ficar bem naqueles sofás. Parecem estar envergonhados, não pertencem a palácios. Mas observamo-los nas minas, nos campos de trabalho, nas fábricas e parecem outros, ao lado dos operários as suas mãos ganham vida, o seu corpo parece um outro corpo.
5.
Não, o Partido Comunista não irá morrer. Porque os comunistas têm qualquer coisa que os outros não têm. Uma marca no seu código genético, uma marca de combate, de coragem, de esperança também. São mulheres e homens que esperam, que não se importam de esperar porque a revolução é como a felicidade, muitas vezes o importante é o caminho. Por isso, não irão morrer. Podem passar por dificuldades e se tiverem de regressar à clandestinidade regressarão. Mas morrer podem tirar o cavalinho da chuva.
6.
Fizeram bem em sair fora do acordo. Como escrevi aqui a “geringonça” não foi um bom negócio para o PCP. Precisam de voltar a ter as mãos livres para não se esquecerem de quem são, um equilíbrio instável e difícil.
Mas o acordo que fizeram com António Costa foi cumprido até ao fim, prejudicou-vos, mas cumpriram-no. Talvez quem não vos conheça saiba pouco… os comunistas são ossos duros de roer, mas quando dizem que sim não é necessário nenhum papel, a sua palavra é a sua palavra, o bem mais precioso. Mesmo que depois possam ser prejudicados.
7.
A menina que está na fotografia é a minha filha, tem sete meses e é neta do Zé Manel. Na noite das eleições, de repente, a Benedita ergueu a sua mãozinha direita. Arrepiei-me e pensei no meu pai, no que gostaria de ver esta fotografia. Como já não o tenho ofereço-a a cada um dos comunistas que me lerem. Não sabemos se ela será comunista ou não, mas simboliza o futuro. Para o bem da democracia portuguesa não poderá existir futuro sem o PCP, dizer outra coisa é não saber o que se diz.
LO
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