sexta-feira, 9 de maio de 2025

Luís Branquinho Pinto 2 h · É ler, é ler...Alexandre Guerreiro 6 h · 80 anos de vitória sobre os nazis: a Alemanha e o genocídio dos eslavos

 Luís Branquinho Pinto

2 h 
É ler, é ler...
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80 anos de vitória sobre os nazis: a Alemanha e o genocídio dos eslavos
1. Em 1925, no seu célebre Mein Kampf, Adolf Hitler pugnou por um “dever” do povo alemão de expandir-se territorialmente para Leste e tornar-se uma potência mundial ou ficar condenado ao desaparecimento. Em cada página do penúltimo capítulo do seu manifesto, Hitler não esconde a abjecção pela Rússia pós-revolucionária justificando a indignidade dos eslavos de uma Rússia que vaticinava estar condenada à catástrofe por ter perdido a influência germânica das lideranças que, durante séculos, a amalgamaram enquanto império. Dizia o Führer que a Rússia perdera, com a revolução, os derradeiros elementos que a ligavam à Europa e, no final, a superioridade étnico-racial germânica teria de prevalecer sobre a Rússia, bem como sobre os “Estados periféricos a ela sujeitos”.
2. Quando, a 22 de Junho de 1941, a Alemanha nazi abriu a “Frente Oriental” e invadiu a União Soviética, Adolf Hitler vivia um misto de euforia e omnipotência. Após o blitzkrieg na Polónia e as marchas imparáveis por França e Checoslováquia, aquele era o momento ideal para embalar a Alemanha na sua campanha existencial de expansão oriental contra o que classificava de “judaico-bolchevismo”. Dias depois, o General Hermann Reinecke emitiu a famosa Ordem de 8 de Julho de 1941 através da qual instruiu o uso de armas contra soviéticos e ameaçava com punições aqueles que se recusassem a cumprir com esta directriz geral, reforçando que os soldados soviéticos não eram soldados, eram “o inimigo cruel do Nacional Socialismo”.
3. Em 16 anos, os grandes quadros nazis tiveram tempo suficiente para aprofundarem e aperfeiçoarem o Generalplan Ost (Plano Geral do Leste). O plano era relativamente simples e compreendia várias etapas: a captura de território na Europa de Leste, a limpeza étnica dos povos eslavos das terras visadas e a assimilação de eslavos germanizados em simultâneo com a mobilização de cidadãos alemães para os territórios livres para assegurar a ocupação e a “germanização” destas áreas.
4. Os registos documentais ainda hoje publicamente disponíveis revelam que, em Agosto de 1941, Hitler considerou que o Generalplan Ost contemplava um conjunto de medidas que previam a substituição populacional do território entre a Alemanha e os Urais por alemães étnicos autóctones e alemães palestinianos. Os restantes, os eslavos “etnicamente indesejáveis”, seriam deportados para lá dos Urais e ao longo da Sibéria ocidental, caso tal fosse possível e se sobrevivessem às condições hostis nestes territórios. No final, os registos estimavam que este plano afectasse 85% dos polacos, 35% dos checoslovacos, 64% dos ucranianos e 75% dos bielorrussos.
5. A administração nazi não tinha os mesmos planos para os russos por recear que se estes fossem deslocados para territórios soviéticos na Ásia poderiam sentir-se impelidos a recriar um Estado russo territorialmente adaptado a esta nova realidade e, com isso, desencadearem uma campanha revanchista contra o Reich. O desfecho mais esperado, por isso, era que, pelo menos, 60% dos russos morressem vítimas da guerra, das políticas da ocupação nazi ou à fome, servindo os restantes sobreviventes para trabalho escravo, se conseguissem resistir.
6. O conceito étnico concebido pela ideologia nazi compreendia três grupos de eslavos: os eslavos de Leste (russos e ucranianos), os eslavos ocidentais (polacos, checos, eslovacos e sorábios) e os eslavos do Sul (búlgaros, sérvios, croatas, macedónios e eslovenos). Porém, a posição da aparelho nazi face a esta construção nunca foi rígida, nem coerente, apresentando paradoxos ainda hoje difíceis de compreender do ponto de vista científico. A título de exemplo, o Reich tinha os búlgaros como eslavos, Joseph Goebbels referia-se aos búlgaros como “amigos” e a Bulgária não só nunca foi ocupada como ainda prosseguia uma política independente face aos judeus búlgaros. Croatas e eslovacos tiveram direito ao seu próprio Estado.
7. Por outro lado, checos, eslovacos, croatas e uma franja de comunidades polacas compreendiam o conceito de “eslavos austríacos”. A Chéquia, tão diabolizada no Mein Kampf, mantinha a total normalidade sob ocupação germânica e os autóctones tinham, numa série de vertentes do dia-a-dia, os mesmos direitos dos alemães. Os polacos saíram do grupo dos eslavos privilegiados simplesmente por terem resistiram à ocupação. Os checos aceitaram o domínio nazi e mereceram tratamento diferenciado. Os sérvios, tal como a Polónia, resistiram, e só a posição geográfica que tinham e a complexidade inerente às exigências de uma ocupação plena trouxeram um destino não tão trágico como foi o dos polacos.
8. Os russos integravam um conceito distinto – eram “eslavos de nacionalidade russa” – e os ucranianos tinham uma importância diferente: eram divididos entre ucranianos de Leste e ucranianos ocidentais e equiparados aos russos enquanto “espécie sub-humana”. Tiveram, contudo, a particularidade de serem ludibriados desde 1939 com a possibilidade de formarem uma Ucrânia independente e com a atribuição de privilégios com dois objectivos claros: semearem o terror contra a Polónia e, mais tarde, fracturarem a URSS. A mesma abordagem seria ensaiada na Estónia, na Letónia e na Lituânia, onde também foram implantadas divisões estrangeiras da Schutzstaffel (SS).
9. A abordagem dos alemães era radicalmente diferente quanto aos polacos e aos eslavos inseridos na União Soviética, onde emergiam os russos e os ucranianos. Para estes, a solução era simples: extermínio e hostilidade. Quase 6 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos foram assassinados sumariamente ou deixados a morrer à fome. Milhões de soviéticos foram assassinados, internados em campos de concentração ou sujeitos a trabalhos forçados no Reich e os restantes eram sujeitos a condições de privação sub-humana.
10. Os nazis tiveram a primeira derrota na II Guerra Mundial na Batalha de Moscovo, no último trimestre de 1941, quando foram obrigados a recuar até 400 km para fora da capital russa. A partir daí e até ao Verão de 1942, o Generalplan Ost foi, obrigatoriamente, sujeito a reajustes pela tomada de consciência de que a guerra contra a União Soviética não acabaria, afinal, tão rapidamente como era inicialmente esperado. O Generalplan Ost passou, então, a privilegiar uma política de Estado exclusivamente orientada para o genocídio dos soviéticos.
11. Em 1941, Hitler referia-se a uma “guerra de extermínio” contra os eslavos. E foi o que desencadeou. A Grande Guerra Patriótica durou 1.418 dias. Mais de 34,4 milhões de militares soviéticos participaram nos combates. A URSS registou mais de 26 milhões de mortes, dos quais cerca de 13,6 milhões eram civis. Falamos de 40% do total de todas as perdas humanas na II Guerra Mundial. Durante a ocupação do território soviético, os nazis destruíram total ou parcialmente mais de 1.700 cidades e mais de 70 mil aldeias.
12. Como reconhecido pelo Tribunal Militar de Nuremberga, a brutalidade e desumanidade dos nazis para com os povos eslavos, particularmente, os soviéticos e os polacos, verificou-se a uma escala sem precedentes na história das guerras. Eram acompanhadas de crueldade e terror, cuja extensão é difícil de imaginar, sendo um dos muitos exemplos o Massacre de Khatyn (1943). Vários autores das mais variadas sensibilidades têm feito alusão ao genocídio conduzido pelos nazis contra os eslavos. De Czeslaw Pilichowski (1980) e W. W. Kulski (1976), a Norman Naimark (2023), o balanço da política nazi contra os eslavos é claro, sendo classificado como um “genocídio em curso” ou um “genocídio parcial”.
13. Em traços gerais, os factos que caracterizaram a implementação da política nazi para os povos eslavos preenche os elementos do tipo de crime de genocídio, conforme previsto na definição dada pelo artigo 2.º da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, de 9 de Dezembro de 1948. Falamos de uma definição que consagra um princípio de direito costumeiro que vincula a totalidade dos Estados soberanos, independentemente de serem ou não Partes na Convenção.
14. E é aqui que a Alemanha, no século XXI, tem o dever acrescido de se manter a sua campanha de reconciliação com as vítimas da brutalidade dos crimes nazis e estender o reconhecimento do genocídio cometido pelo Reich não apenas aos judeus, aos ciganos e a pessoas com determinadas características, mas, também, aos povos da União Soviética. A insistente resistência de Berlim em fazê-lo não se justifica e parece mesmo menosprezar cerca de 20 anos de campanha contra os povos da URSS.
No final, é por tudo isto que o 9 de Maio (Dia da Vitória) é tão celebrado na Rússia e nas antigas Repúblicas Socialistas Soviéticas: sabem bem que se tratou de uma guerra patriótica, de uma guerra pela sua sobrevivência enquanto parte da espécie humana.
Ainda hoje, em Portugal, muitos não imaginam a sorte que tivemos por ficar de fora de toda esta tragédia, mas deixo uma recomendação de leitura para se compreender como se chegou lá: Salazar: biografia política, de Filipe Ribeiro de Meneses.
Agora, temos Portugal e outros países da UE a votar contra resoluções de condenação ao neonazismo e a financiar Estados que colaboraram com os nazis e hoje fazem a apologia do nazismo.
Como vêem, a luta continua mais actual do que nunca.

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