sexta-feira, 15 de abril de 2022

Texto de Miguel Sousa Tavares, por Júlio Pina+ comentário e video+ escrito meu e foto dos 3 tristes e chorosos meninos

 

As palmas que este retumbante texto merece acordariam o País enfim.
Do bravo Miguel Sousa Tavares no Expresso, esta semana à quinta-feira. Ficam o reconhecimento e o obrigado ao autor.
"Para acabar de vez com este sufoco
Neste texto, entre cada parágrafo, irei repetir esta frase:
— A invasão e a guerra que a Rússia levou à Ucrânia não têm justificação. Os massacres e os assassínios deliberados de civis não têm perdão.
Digo isto não só porque é o que penso e já escrevi antes mas também para ficar mais uma vez lavrado em acta. Pois é aqui que chegámos, é aqui que estamos e é neste clima que, a propósito da guerra na Ucrânia, estamos a viver: num clima de intimidação concertada sobre o pensamento como nunca antes vivi em 30 anos de escrita em jornais. Quem não pensa exactamente segundo a cartilha pronta a pensar fornecida pela NATO e pelos países-guia do mundo ocidental é imediatamente catalogado como amigo de Putin e cúmplice moral das atrocidades russas na Ucrânia. Portanto, é preciso repetir:
— A invasão e a guerra que a Rússia levou à Ucrânia não têm justificação. Os massacres e os assassínios deliberados de civis não têm perdão.
Porém, eu sei que dizer isto é inútil. Não se trata de discutir pontos de vista, até úteis para o futuro, de rebater argumentos ou de revisitar a história. A maior parte dos novos cruzados, arautos da guerra à distância, e novos censores ainda ontem nada sabiam da Rússia, da sua história ou da história da expansão da NATO para leste e nada lhes interessava a política internacional, entretidos que estavam a divagar sobre minudências da política doméstica, a educação dos filhinhos ou as tendências das redes sociais: com esses nem vale a pena perder tempo. Com outros, todavia, o caso é mais sério. Podiam e deviam discutir as opiniões contrárias sem recorrer à absoluta falta de seriedade intelectual e a argumentos de puro terrorismo e delação pública. Todos os dias leio dois ou três textos destes e até me pergunto como é que não têm vergonha de alinhar em tamanha campanha ostensiva de apelo ao silenciamento e ao linchamento moral de quem não pensa tal qual como eles, mesmo que digam e repitam o que eles fazem de conta que não ouviram:
— A invasão e a guerra que a Rússia levou à Ucrânia não têm justificação. Os massacres e os assassínios deliberados de civis não têm perdão.
No “Público”, por exemplo, Francisco Mendes da Silva, alguém que eu leio sempre com interesse, escreveu um texto cujo título resume toda uma sentença: “Sejam adultos, assumam que querem a vitória da Rússia”. Para ele, estas pessoas, que veladamente desejam a vitória militar de Putin, “continuam a querer contaminar a discussão com uma complexidade que não existe”, quando “o seu problema não é a dificuldade de pensar, é a dificuldade de assumirem o que verdadeiramente pensam”. Cobardes, portanto: tão simples quanto isto. Por exemplo, gente como Kissinger, como George Keenan, como Mário Soares ou Luís Amado, que, em devido tempo, avisaram que a expansão da NATO a leste era um grave erro geoestratégico e político, que traria necessariamente consequências para a paz, eram simplesmente pró-russos e cobardes. Pelo contrário, aqueles que imaginaram que Gorbachov e os seus sucessores iriam desmantelar o Pacto de Varsóvia, pôr termo à Guerra Fria e reconhecer a independência de 14 países antes sob a alçada da URSS e, simultaneamente, aceitar que eles passassem a integrar a NATO e pudessem instalar nos seus territórios mísseis nucleares tácticos capazes de atingir Moscovo em poucos minutos sem que a Rússia se sentisse ameaçada eram apenas genuínos defensores da paz e visionários perante Vladimir Putin ou qualquer outro Pedro, o Grande, reencarnado. Bem, a esta corajosa gente eu também poderia dizer: “Sejam adultos e assumam que o que querem é ver a NATO entrar na guerra e esmagar a Rússia, ou então prolongá-la indefinidamente até conseguir o mesmo resultado.” Mas não é preciso que eu o diga, disse-o o Presidente ucraniano, Zelensky, na sua entrevista à “The Economist”: “Há quem no Ocidente não se importe com uma longa guerra, porque isso significaria esgotar a Rússia, mesmo que represente o desaparecimento da Ucrânia e o sofrimento do seu povo.” Mas deixem-me que repita:
— A invasão e a guerra que a Rússia levou à Ucrânia não têm justificação. Os massacres e os assassínios deliberados de civis não têm perdão.
E volto a acrescentar, para que fique claro: nem a NATO nem o Ocidente começaram a guerra, foi a Rússia e Putin. A responsabilidade é dele, as mortes e a destruição são responsabilidade dele, os crimes conhecidos até hoje são dele. Porém, e desde sempre, a minha tese (se é que me permitem ter uma) é esta: com excepção de Macron, ninguém, entre os países ocidentais, tentou seriamente evitar a guerra ou pôr-lhe termo, uma vez iniciada. Neste momento, é verdade que Putin já não parece nada interessado num acordo de paz, embriagado pelo sinistro grito de “viva la muerte!” já deixou de pensar como alguém razoável ou mesmo humano. Mas houve momentos antes em que isso pareceu possível e em que ninguém no Ocidente se mostrou disponível para ajudar. Zelensky tem razão: a continua­ção da guerra agora não convém só a Putin, também convém à NATO. E convém por várias razões — militares, estratégicas, políticas e económicas —, reflectindo os interesses dos países dominantes da Organização, de que o seu secretário-geral, Jens Stoltenberg, é fiel servidor: Estados Unidos, França, Inglaterra, Canadá. Razões militares: a Ucrânia é um excelente campo de batalha convencional como nunca a NATO experimentara, tendo apenas sido testado em guerras de contraguerrilha ou contra forças mal equipadas no Iraque, Afeganistão, Somália, Síria, Balcãs; mais, esta guerra é uma insubstituível oportunidade para avaliar o grau de eficiência das Forças Armadas russas em combate, do seu armamento, preparação e logística, e, paralelamente, da capacidade de resposta dos dispositivos da NATO. Razões geoestratégicas e políticas: depois do inacreditável erro de avaliação de Putin, a NATO, achincalhada por Trump e declarada em “morte cerebral” por Macron, ressurgiu agora como uma inevitabilidade face à nova ameaça russa e prepara-se para integrar a Suécia e a Finlândia e afirmar-se como entidade indispensável e inquestionável. Razão económica: o rearmamento de todos os seus 29 membros é um maná caído do céu para os grandes fabricantes de armas dos países líderes da Organização, cujos interesses determinam a sua sobrevivência. Mas nada disto impede que:
— A invasão e a guerra que a Rússia levou à Ucrânia não têm justificação. Os massacres e os assassínios deliberados de civis não têm perdão.
E, obviamente, nada disto também equivale a dizer que a culpa da guerra é da NATO e dos Estados Unidos, como escreveu acerca dos “cobardes” António Barreto, num texto que um dia talvez venha a lamentar ter escrito. Que a responsabilidade da guerra é da Rússia é um facto inegável; que a NATO cercou a Rússia é outro: não sei como é que alguém de boa-fé pode negar qualquer um deles. Porém, nesse texto, e na sua fúria acusatória a propósito do massacre de Bucha e outros, escreve António Barreto: “Há quem (diante disto) seja subitamente invadido por escrúpulos jurídicos e exija comissões independentes para analisar a situação no terreno, identificar as vítimas e fazer relatórios sobre as circunstâncias das mortes.” Fico na dúvida se para ele nada disto interessa e convém investigar ou se o problema está em ser investigado por uma comissão independente: talvez fosse melhor se fosse investigado pela London Metropolitan Police, como pateticamente propôs a secretária do Foreign Office. Todavia, e a propósito de Bucha, cito-lhe Ursula von der Leyen, de visita ao local do massacre e mesmo assim invadida de escrúpulos jurídicos: “É extremamente importante que tudo seja bem documentado para evitar derrotas em tribunal se as provas não forem suficientemente fortes” — ou seja, o Estado de Direito, esse detalhe que distingue as democracias das sociedades sem escrúpulos jurídicos. Mas, tal como Mendes da Silva, também António Barreto acusa os que divergem dele “da mais covarde atitude, que consiste em não dizer o que realmente pensam, escondendo-se atrás do biombo da hipocrisia”. Eu leio isto e custa-me a acreditar que um intelectual que o país se habituou a admirar como alguém que sempre pensou livremente e tantas vezes ao arrepio da opinião dominante seja agora capaz não apenas de presumir a opinião oculta dos outros mas ainda de chamar-lhes cobardes por não confessaram a hipocrisia de que os acusa, como ele gostaria que fizessem. E, desenfreado, acabar a acusá-los de, “diante do incómodo causado pela violência bruta e pela destruição cega, terem a desfaçatez de pedirem pensamento”! Esta assassina frase é de uma absoluta indignidade: pressupõe que para os que ousam pensar diferente dele sobre questões laterais o essen­cial — as imagens de morte e destruição que todos vemos — são apenas um “incómodo” para as suas ideias. E isso permite-lhe, tendo-os desclassificado ao nível dos pró­prios criminosos de guerra, acusá-los da desfaçatez de quererem pensar! Mas, com toda a amizade de sempre, digo ao António Barreto: eu não peço pensamento, não peço licença para pensar. Nem peço nem exijo, porque não é preciso, vivendo, felizmente, em democracia. Simplesmente exerço o direito que me assiste, sem me escudar em abaixo-assinados nem me intimidar com a fúria que possa causar a “desfaçatez de pensar” diferente e de assim “contaminar a discussão”.
E não: não penso aquilo que eles queriam que pensasse e que lhes dava jeito confessar que pensava. Lamento o incómodo, mas penso exactamente aquilo que escrevo. E adiante veremos o preço inteiro desta guerra tão desejada por alguns.
Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia"
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  • Maria Da Graça Morgado
    Os crimes de guerra nāo estão a ser investigados por nenhuma comissão indépendante, mas Sim pela França que de nada tem de indépendente nesta guerra , pela simples razão de que está a vender armas a Ucrania .
    Ukraine – Des experts français pour enquêter sur les «crimes de guerre»
    LEMATIN.CH
    Ukraine – Des experts français pour enquêter sur les «crimes de guerre»
    Ukraine – Des experts français pour enquêter sur les «crimes de guerre»
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  • Jose Monteiro
    Tradução do que o embaixador de França na Ucrânia, sobre a chegada de seus especialistas concidadãos:
    "UCRÂNIA:
    Especialistas franceses vão investigar 'crimes de guerra'
    Os gendarmes franceses chegaram a Lviv, no oeste da Ucrânia, para ajudar seus colegas ucranianos “nas investigações de crimes de guerra cometidos nos arredores de Kiev”.
    O embaixador francês na Ucrânia anunciou que vai receber uma unidade de gendarmes especializados para determinar se houve ou não "crimes de guerra". É a "primeira" unidade estrangeira "a fornecer tal ajuda", disse Etienne de Poncins no Twitter. “Orgulhoso em receber em Lviv o destacamento de gendarmes técnicos e científicos que vieram ajudar seus camaradas nas investigações de crimes de guerra cometidos em Kiev”, escreveu ele. "Eles estarão no trabalho amanhã."
    "Solidariedade", disse de Poncins, acrescentando os emoticons das bandeiras francesa e ucraniana. O tweet também foi traduzido para o ucraniano. "Uma equipa técnica do Ministério do Interior responsável por fornecer a sua experiência em termos de identificação e recolha de provas às autoridades ucranianas chegou esta manhã à Ucrânia", afirmaram, por sua vez, num comunicado de imprensa conjunto os ministérios do Interior e da Justiça franceses e Relações Exteriores. "De acordo com as autoridades ucranianas, também pode contribuir para a investigação do Tribunal Penal Internacional", está escrito lá.
    Etienne de Poncins, por sua vez, acompanhou seu tweet com uma foto mostrando cerca de quinze gendarmes - incluindo uma mulher - em uniformes azuis, posando em frente a um caminhão branco do Instituto de Pesquisa Criminal da Gendarmaria Nacional (IRCGN), no qual está escrito "laboratório móvel de DNA".
    Esses gendarmes são "especialistas em cena de crime e identificação de vítimas", disse o comunicado de imprensa dos ministérios franceses. Dois médicos forenses também acompanham esta equipa que “poderá montar uma cadeia de exame e identificação de corpos”.
    No domingo, a justiça ucraniana disse que 1.222 pessoas foram mortas na região de Kiev desde o início da invasão, sem especificar se eram apenas civis. Imagens de vinte cadáveres em trajes civis em uma rua – um com as mãos amarradas nas costas – em Boutcha, noroeste de Kiev, se tornaram virais, com autoridades ucranianas denunciando um “crime de guerra do exército russo.
    O Kremlin, por sua vez, nos garante que é uma "encenação" orquestrada pelos ucranianos e destinada a prejudicá-lo. Na sexta-feira, o presidente francês Emmanuel Macron disse que a França estava “reunindo evidências” contra “crimes de guerra russos” na Ucrânia. Ele então anunciou o envio de gendarmes e magistrados franceses para o país.
    ( AFP ) A equipa de especialistas:
    Pode ser uma imagem de 12 pessoas, pessoas em pé e ao ar livre
  • Jose Monteiro
    Não iria acrescentar nada ao texto de Miguel de Sousa Tavares, nem sequer mostrar o nenhum espanto de alguns cidadãos doutorados (eu também sou, doutorado em doutores, tantos foram os com quem convivi, trabalhei e aprendi: doutores em Medicina e em Direito e muitos engenheiros das mais variadas ciências e contabilistas de DEVE e HAVER sempre certinhos, revisores dessas contas e outros: 83 anos de vida dá tempo para isto tudo! Ah, não defendi a tese desta diversidade, por estar cansado e passava já da meia noite!) e também não falarei da guerra, porque não gosto de guerras, nenhumas guerras, a que tive que fazer, mesmo sem andar aos tiros, foi suficiente para não mais gostar de guerras e de guerreiros ainda menos! Há horas, tempo de pequeno almoço, no programa BOM DIA PORTUGAL, quando se falava na hipótese de a Finlândia e a Suécia aderirem à NATO, apareceu de seguida um jovem da equipa de Biden, com ar entre o triste e o assustado, a garantir que a NATO é uma organização defensiva, mas não adiantou quem e o que defende! Fica perdoado!
    Não irei aceitar que todos as guerras depois da criação da NATO foram para esta se defender das pedras atiradas pelos políticos ou os cidadãos, lá de longe, como uma intifada, atiravam pedras aos NATISTAS! Essa não vou acreditar!
    Boa Páscoa!
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